quarta-feira, 30 de abril de 2008

Espetáculo Midiático

JUSTIÇA OU LINCHAMENTO?

Roberto Romano

O desejo de ouvir perversões morais está na origem da imprensa sensacionalista. Um fato se amplia ao ser publicado. Elias Canetti diz que o inferno é a pior invenção humana. Depois que ele foi imaginado, todos os tormentos são previsíveis. Setores da imprensa, associados a grupos que não merecem o título de polícia, fabricam a unanimidade que expulsa análises e prepara almas para o inferno. O pretexto pode ser a luta contra a corrupção, a notícia com seu interesse público, o assassinato de uma criança. O que se faz realmente é armar o espetáculo dos “populares” que transformam dor e violência em dança de hienas.

Plutarco diz que existe o erotismo do mal e pergunta ao curioso: “Porque olhas, atento, as doenças alheias/ homem perverso/ se não percebes as tuas próprias mazelas?”. Algo próximo à diatribe de Jesus: “Por que vês o argueiro no olho de teu irmão, e não reparas na trave que está no teu próprio olho? (...) Hipócrita! tira primeiro a trave do teu olho” (Lucas, 6, 36-42). O malvado se alegra com a infelicidade alheia e “põe seus olhos num copo de água, mas ao sair de casa os coloca para ver o que se passa na vizinhança” (Plutarco). Curiosos não suportam enxergar sua própria vida enfadonha. Quando ouvem a narrativa de um casamento, ficam desatentos, bocejam. Mas se alguém fala de uma jovem violada ou seduzida, adultério ou briga entre irmãos, eles despertam, exigem detalhes, gozam. Curiosos adoram ouvir e contar coisas picantes. A constelação medíocre da maledicência é o solo de onde brotam as sementes infernais. A hiena “humana” ouve o rádio ou enxerga a imagem na TV, corre à feira, ao bar, paróquia ou escola. E finge indignação, parola sobre justiçamento, pena de morte e tortura, horrores de sua mente perversa. Lei, juiz, advogados, todos os recursos e operadores do direito são por ela vilipendiados entre berros e gargalhadas. Curiosos só conhecem o linchamento.

No caso dos Nardoni - culpados ou inocentes - o clima é de carnaval nas trevas. Até fantasia de árabe aparece, os manifestantes mostram alegria luciferina. Regressão à animalidade? Animais não cantam nem dançam, não comem bolos sacrílegos, não se alegram com a dor dos seus iguais. Histeria coletiva, ou demônio nos olhos, gargantas e corações dos propensos ao seu império? A ciranda das multidões evidencia a existência diabólica, o ensinamento mais realista do cristianismo.

Na semana passada, com a desculpa da luta contra a corrupção, a Polícia Federal prendeu um advogado, nele colocou algemas e o exibiu na mídia. A OAB paulista clama contra as prisões desnecessárias, invasões em escritórios de advocacia, uso desnecessário de algemas. Gravíssimo: tais abusos são autorizados pela justiça. Qual lei garante à polícia gerar semelhante espetáculo midiático ? Em países civilizados a TV mostra os suspeitos com os rostos embaçados, não raro incógnitos. Quando uma pessoa se move em massa humana, perde a dimensão dos direitos e deveres. Nem desconfia que o linchado hoje pode ser inocente. E nem desconfia que ela mesma pode ser linchada amanhã.

Segundo Montesquieu o ser humano submetido à religião, à lei, à própria palavra, está próximo da divindade. Ele só é gente ao reconhecer interditos à sua violência natural. Longe de repetir a lei de Talião ou o rito do bode expiatório, a justiça define interditos de natureza racional. “O jurídico é paramentado por uma autoridade sagrada, mas a partir desse momento, o sagrado terá apenas uma função jurídica. A violência humana foi superada pela linguagem razoável da lei”(J. Starobinski, Montesquieu). A justiça sacraliza o melhor do humano, a vontade de manter a palavra. A lei impede a guerra e a violência de assolar o coletivo. O Brasil não confia na palavra dos cidadãos e não pode confiar na palavra dos governantes. O Brasil só confia em algemas, truculência policial, espetáculos arrogantes dos animais fortes. O Brasil só confia nas propinas, nos meios ilegais de garantir o mando de indivíduos e grupos. O Brasil está longe das ordens divinas, é inquilino do inferno.

segunda-feira, 28 de abril de 2008

As várias faces de Clarice. (1920-1977)


A escritora ucraniana, Clarice Lispector, agora em muitos ângulos para todos os fãs. A fotobiografia, da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo/Edusp, organizada por Nádia Gotlib, especialista na vida e obra da escritora, traz 656 págs. que mostram 800 imagens muitas delas inéditas.
Ganhei de um grande amigo, Correio Feminino, que reuni textos da escritora publicados em colunas e suplementos femininos da imprensa brasileira durante as décadas de 50 e 60. Sob pseudônimos ou como ghost writer, esta Clarice Lispector jornalista feminina revela ao leitor as inquietações, hábitos e tendências da mulher brasileira daquela época.
Vejam o que disse a autora:
"Se você trabalha fora, comanda ou dirige equipes, trata de assuntos comerciais com homens, interessa-se, por força da profissão, pela cotação do mercado, pela contabilidade mecanizada, enfim, se você é obrigada a deixar de lado as maneiras delicadas e muito femininas, muito cuidado! O grande perigo que a ameaça é a masculinização de seus gestos, de sua palestra, de seu pensamento."
Muito bom isso!

terça-feira, 22 de abril de 2008


Ela me ganhou com essa frase escrita bem aí sobre a sua foto, principalmente, porque andei pensando e postando algumas coisas a respeito do tema “A ditadura da Estética”. Quase que de cara lavada, a foto feita para o ensaio da revista TPM, esbanja beleza. Tão natural que chega a revelar o que Patrícia Pillar tem, de muito mais bonito, por dentro. Interessante notar que ela levantou um punhal em nome de uma paixão, Waldick Soriano. Sim, ele mesmo. Simplesmente se encantou com algo que quase ninguém consegue enxergar, confesso que nem eu mesma, mas ela se entregou e dirigiu o documentário “Waldick, sempre no meu coração”, lançado este mês. Para quem conhece a obra do cantor, e, curte o estilo “Eu não sou cachorro não”..., bacana.
Aos 44 anos, a atriz que interpretou Zuzu Angel, no cinema, está cheia de vida e muitos projetos. Ela prefere realizar tudo que faz, da maneira mais passional possível.

sábado, 19 de abril de 2008

Cartola


Delicadeza é a palavra que encontro para falar de Cartola. Em 2008, se estivesse vivo, estaria completando 100 anos. Alvorada lá no morro / Verde que te quero rosa / O sol que a todos cobre / O mundo é um moinho / As rosas não falam, são canções marcantes e inesquecíveis que ouço sempre. Ele tinha um semblante tranqüilo, era simples em tudo que fazia. E foi assim que prosseguiu, pondo simplicidade e poesia em tudo, em sua vida e na música. Vida que era a sua música, música que sem cartola não era vida, não era poesia.
“Cartola escolheu o nome - Estação Primeira de Mangueira -, foi eleito diretor de harmonia e sugeriu as cores, verde e rosa. Se combinam? É ele quem diz: “O verde representa a esperança, o rosa representa o amor, como o amor pode não combinar com a esperança?”.

Livros:• Cartola, os Tempos Idos, Marília Barbosa da Silva e Arthur de Oliveira, Gryphus

Para você cantarolar baixinho.
Bate outra vez

Com esperanças o meu coração

Pois já vai terminando o verão, Enfim

Volto ao jardim

Com a certeza que devo chorar

Pois bem sei que não queres voltar

Para mim

Queixo-me às rosas,

Mas que bobagem

As rosas não falam

Simplesmente as rosas exalam

O perfume que roubam de ti, ai

Devias vir

Para ver os meus olhos tristonhos

E, quem sabe, sonhavas meus sonhos

Por fim

quarta-feira, 16 de abril de 2008


Definitivamente, não se trata de dicas ou soluções mágicas para se obter sucesso nas relações amorosas. O livro Amor líquido, do polonês Zigmunt Bauman, professor hemérito de sociologia nas Universidades de Varsóvia e de Leeds, na Inglaterra, trata de um assunto que muito tem me preocupado nos últimos dias, a fragilidade dos relacionamentos amorosos, o amor que o autor denominou tão sabiamente de “líquido”.
Por coincidência, li um “texto desabafo” de um amigo jornalista a respeito do assunto, sob o pondo de vista de como as relações se estabelecem com extraordinária fluidez e como o amor tornou-se um objeto de consumo descartável. Interessante ler os livros de Zigmund, seus temas são ricos e pautados em estudos sobre os laços afetivos e as sofridas tentativas das pessoas em estabelecer suas parcerias no mundo globalizado.

"Há uma tendência a perceber o mundo como basicamente um enorme recipiente dos potenciais objetos de consumo e de moldar todas as relações humanas conforme o padrão de consumo. Assim, o outro (parceiro, amigo, vizinho, parente) é 'bom' desde que traga satisfação e pode (ou deve) ser descartado quando a satisfação acabe ou se mostre não tão boa quanto se esperava ou quanto a que outra pessoa talvez pudesse fornecer em seu lugar. Outros seres humanos se tornam descartáveis e facilmente substituíveis - como os bens de consumo são ou deveriam ser. Afinal, não fazemos juramento de eterna fidelidade a celulares, televisores, computadores, carros, geladeiras e outros bens de consumo. Quando eles param de funcionar ou são superados por ofertas novas e mais atraentes, nos separamos deles com pouca tristeza e sem escrúpulos… Na verdade, tendemos a comemorar a substituição! Mas esse 'padrão consumista' é contrário aos princípios que conduzem nossos relacionamentos amorosos. Ele envenena a parceria com desconfiança mútua e a enche de constante incerteza quanto às intenções do parceiro. Amplia qualquer desavença mínima a uma proporção gigantesca, dando motivos suficientes para terminar e recomeçar em outro lugar. Assim como devolvemos uma mercadoria imperfeita à loja, exigindo nosso dinheiro de volta… Sob a pressão do consumismo, as relações amorosas se transformam em episódios amorosos: tornam-se frágeis, quebradiças, não-confiáveis - antes uma fonte de medo, ao invés de alegria."


Tácito Costa

terça-feira, 15 de abril de 2008


Por Edmir Perrotti Professor de pós-graduação na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo.

"Nunca falamos tanto, nunca produzimos tanta informação, nunca tivemos acesso a tantos e tão diferentes assuntos com a rapidez que temos hoje, e tudo isso em escala planetária. No entanto, talvez nunca, também, tenhamos vivido uma época tão esvaziada de sentidos quanto a atual, época em que temos a impressão de que se fala muito, mas que se diz pouco, época em que somos bombardeados por informações, mas que, talvez até por instinto de preservação, não prestamos atenção na maioria das coisas que nos são ditas e repetidas uma, duas, três, infinitas vezes. Ou seja, se quem fala não diz , quem ouve não escuta , a comunicação acaba virando um puro gesto mecânico de processamento de sinais e não de trocas efetivas de significados, tal qual na canção Sinal fechado , de Paulinho da Viola".

"Torna-se importante revisitar a Palavra, ressignificá-la nos quadros de nossa contemporaneidade. Não de qualquer forma, de qualquer maneira. É preciso revisitá-la com todas as pompas e circunstâncias indicadas por quem entende do assunto. Drummond é um deles. Aconselha espreitar as palavras, escutá-las, seduzi-las, saboreá-las, mesmo se às vezes o gosto é amargo e a tarefa nem sempre seja fácil. As palavras são opacas, não se entregam nem se iludem com as falsas promessas. Não aceitam ser passivas, usadas apenas para atos de compra e venda, de consumo, de mera negociação mercantil. Elas também nos espreitam, escutam, seduzem, saboreiam. Sob a “face neutra”, escondem, cuidadosamente, tesouros esplêndidos e inesperados, que não são entregues senão parcialmente. Elas são ativas, nos interrogam:

“Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma tem mil faces secretas sob a face

neutra e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível, que lhe deres:
Trouxeste a chave ?”
Carlos Drummond de Andrade - A rosa do povo.