sábado, 24 de novembro de 2007

O Bolero de Ravel



Confesso que não o conhecia profundamente, a não ser mesmo pelo Bolero de Ravel. Lamento o fato de sua morte neste dia 22 de novembro. O coreógrafo francês Maurice Béjart, que aos oitenta anos trabalhava intensamente, estava prestes a estrear a sua última peça, "Tour du Monde en 80 minutes", com estreia marcada para Lausanne no dia 20 de Dezembro.
Registro aqui este fato, por um motivo simples, nunca esqueci o quanto me comoveu e o quanto achei fascinante, Bolero de Ravel, que foi transmitido pela TV Cultura, se não me falha a memória. Eu deveria ter uns 20 anos, sei lá. A verdade é que nunca mais esqueci.

domingo, 18 de novembro de 2007

A Bunda, O Olho, O Ralo.








Ambientado em São Paulo, a maior parte do filme se passa dentro do escritório de Lourenço, de onde a fedentina está impregnada.
Tudo culpa do maldito ralo, da maldita bunda, do olho do homem do dólar.

É com um humor sarcástico e muito divertido que se desenvolve a trama do homem que comprava objetos antigos.
Bom, todo mundo já deve ter visto O Cheiro do Ralo de Heitor Dhalia, eleito pelo júri o melhor filme da 30ª Mostra de Cinema Internacional de São Paulo. É a segunda vez na história do evento que um filme brasileiro é eleito o melhor pelo júri (a primeira foi com "Cinema, Aspirinas e Urubus", de Marcelo Gomes, em 2005). Que, por sinal, me disseram que é muito bom e que vou ver já, já.

Acho que só eu ainda não tinha assistido (rs). Nunca é tarde, então.
É tanta coisa boa de se ver, principalmente, no cinema brasileiro, que deu um salto gigantesco nestes últimos anos.
Depois do movimento cinematográfico "Cinema Novo", influenciado pelo neo realismo italiano, entre outros, avesso às alienações culturais e com o objetivo de retratar questões sociais de um país subdesenvolvido, tudo era mero ensaio de amadores.
Ufa! Que bom não é, cara, poder falar de cinema nesse país, feito, e muito bem feito, diga-se de passagem, por esses inúmeros talentos que estão aí para serem vistos e aplaudidos.

Para os retardatários, como eu, fica a dica.
Assintam logo, O CHEIRO DO RALO. Muito bom!
Vocês vão dar boas risadas. Além das risadas, é importante sacar o quando o personagem se distancia do mundo real. Lourenço se torna um homem frio, acredita que tudo e todos estão á venda, no seu mundinho de merda.
O lance psicológico é a grande sacada.

CARMEN VASCONCELOS

Navegando pelo substantivo plural, pluralíssimo e singular, do grande jornalista Tácito Costa, colhi esta preciosidade que vocês lerão logo abaixo.
Aconselho aos leitores do substantivo, que passem por Carmen e conheçam sua poesia.
Agora, fiquem com Manuscrito encontrado em pétalas.



Pois então não me compreendeste? Não precisava... Não, não me fiz de palavras para isso. Eu me fiz assim para ofertar fragmentos. Como restos de rosas decorosas. Com muita paciência, como quem se confirma, eu escolhi sílaba por sílaba, pétala por pétala, fui me escolhendo. Então tu não sabes? As palavras são os limites dos sentimentos, sua conformação, suas medidas. Fala, e estás diluindo-te! Deus, que é Deus, um dia sentindo-se muito, quis esparramar-se e fez-se verbo. Imagina eu, então. Tu pensaste que eu ficaria calada para me decifrares? Eu não. Não iria ficar esperando Deus dar bom tempo. Primeiro, a gente faz. Depois, Deus abençoa. Eu fiz. Fiz-me palavras, tornei-me posse de alguma coisa sagrada. Senti-me numinosa, possuída como as divindades, mas não era tempo de compreender.

É que eu era mesmo emoção. Desguardada. Como as estrelas cadentes desguardadas, rasgando o céu em busca de rotas, eu era assim, sem palavras. Eu não tinha palavras, tinha fé, e a minha fé era viva. Era viva, porque rebentava na carne. Viva, porque era oferenda para a minha vulnerabilidade. Eu sem palavras, desguardada. Mas não procurei palavras para curar-me da fragilidade, não foi para negá-la, não para escondê-la. Muito menos para explicá-la. Ao contrário, a minha fragilidade é que precisava curar-se de seu pudor. A minha fragilidade teve o despudor de mostrar-se, pulsando ofertada na incompreensível palavra Ser. Para falar-te, eu sei, é preciso muito cuidado, e ninguém sai ileso do que escreve, mas... Eu quero falar com cuidado sobre o pudor...

Sabes, o pudor, a vergonha, essas coisas de dois gumes, duas faces, elas têm duas bocas, uma boa e outra perversa. Guardam, mas guardam sufocando. Ferem as entrelinhas, cortam as linhas, sangram os sentidos. Compreenderias o pudor, mas, como quem se confirma, eu o neguei, neguei a vergonha e cometi ‘eu te amo’. Como restos de rosas decorosas. Foram as minhas primeiras palavras, eu me lembro. Começou com um balbucio, letras desgarradas salivando dentro da boca, era ainda bem pouco parecido com palavras, tinha mais gosto de assombração. Mas ‘eu te amo’ fez-me forte, alada. Depois foi ficando com gosto de ranço, depois virou fruta apodrecida no chão, que ninguém apanhou, nem comeu. Vai servir de adubo orgânico ‘eu te amo’. ‘Eu te amo’ está puído, roído no papel, e todo mundo vê ‘eu te amo’ sem viço. ‘Eu te amo’ é uma lua doendo e está sem brilho, exposto nas bancas de revista junto à manchete do jornal: “marido mata mulher a facadas”. Está baldeado como água teimosa. ‘Eu te amo’ perdeu todos os dentes, está seco e fica bulindo no sereno, porque não tem para onde ir, nem cama, nem teto. Está machucado, ferido de silêncios, está mudo, privado das suas canções de ninar. ‘Eu te amo’ bem sente, a escuridão tem a cor do tato, mas não diz: meu corpo só existe onde o teu tateia (porque não pode dizer). Cometi um ‘Eu te amo’ que sabe: ninguém sai ileso do que ama.

Eu te amo não são mais palavras que me façam. Faço-me de outras. Como restos de rosas decorosas, como versos de poemas indecorosos: sílabas vermelhas/pétalas/pistilo. Tu não compreendes poesia, nem pétalas, pétalas não são para se compreender. Tu não imaginas nada, além da compreensão, para fazer com pétalas? Ter cuidados... Não, talvez tu não tenhas sido feito para ter cuidados...

Pois não importa se não me compreendeste, eu também não me fiz para ti. Fiz-me para as noites que aguardei, as noites, estas sim, que eu te guardei e tu guardaste para mim. Fiz-me para as noites dilatadas, varando meus dias enfermos de ausência com rajadas de estrelas fumegantes. Estrelas cadentes desguardadas. As noites tão minhas, porque tuas, que me afiaram afetos, que me alforriaram a carne, que me aferraram à vida.