terça-feira, 18 de novembro de 2008


Por Telga Lima

Não, definitivamente eu não sou isso.
Não sou chão.
Eu não sou realidade, sou fantasia.
Eu não sou real, sou personagem.
Não sou dia, sou escuro, calada da noite, mar revolto, torpe.
Sou tons de cinza, escuro; eu não vejo, tateio.
Sou quem anda apressado por ruelas estreitas enlameadas, aviltado.
Eu, definitivamente não sou brilho, não cintilo.
Sou opaco, frio, indiferente, dissimulado, vão. Água baldia, turva.
Eu sou imaginação, pintura em preto e branco.
Não sou superfície, sou espaço dentro do meu pequeno espaço vazio.
Só sangro, engulo, engodo.
Definitivamente sem chão.

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Pétala que despetalou



Por Telga Lima

Foi apenas uma pétala que despetalou
Foi assim, uma troca de palavras rápidas e significativas que calaram a minha voz, pois já era hora do coração descompassar, se atenuar, respirar primavera, se aquietar.
Um toque meio desajeitado e algo me repudiou de imediato, meu coração ainda não estava preparado, achava que estivesse.
Um segundo toque e o meu corpo reconheceu algo de muito bom apesar da resistência. Foi assim, sem troca de palavras, apenas respiração sem deixar os olhos se cruzarem.
Foi assim, pouco depois os olhos se encontraram e só então o coração sentiu que algo de muito bom acontecia e o corpo já não mais resistia.
Depois as palavras fizeram a festa pra reiterar que todas aquelas sensações eram realmente boas para o corpo, para o coração, para o jeito, para o imediato, para o repúdio.
E aí o entorpecer me fez caminhar em plumas, sentir a brisa em baixo de um sol torrencial.
É manhã e simplesmente nos damos conta disso, que é manhã. Mais um dia, mais uma espera.
E o coração que acreditou, bom, este não estava preparado para o descaso, para a indiferença, para o medo. Ele estava preparado apenas para amar, apesar do pouco preparo ou do total despreparo em ter que lhe dar com o adeus, com o nunca mais que nada deixou, nem ao menos a esperança de que um dia outros olhos iriam cruzar os meus, outro toque iria me repudiar, outras palavras rápidas e significativas eu iria ouvir.
A única e prematura certeza que tenho é a de que foi apenas uma pétala que despetalou, numa primavera dessas da vida.

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

DOCE



Por Telga Lima

Ele tem os pés sensíveis.
Sente tanta cócega, uma sensação particular, ora deleitosa, ora irritante, que provoca movimentos ou risos compulsivos, que nem ao menos sabe aonde vão parar suas pernas, se alguém, mesmo que de maneira descuidada, deslisar os dedos por essa sua parte do corpo tão delicada.
Ele tem jeito de casa de livro de histórias, que fala tão eloquentemente, que é difícil não perguntarmos, como alguém pode ignorá-lo.
Ele é todo doce, de um doce pra quem tem paladar apurado, requintado, refinado. Um doce cor de pêssego.
São doces os seus pés, de tão sensíveis.
Seus lábios também são doces, de uma voz suave que a qualquer hora do dia, eu posso passear lá fora e ouvir pássaros cantando.
A começar pelos pés, eu poderia passar um dia explorando cada recanto, descobrindo que novas coisas há para se ver.
Ele me toca e eu sinto.
Ele é doce de uma forma quase alimentadora.
Ele é tão doce que me deixa tentada a sentar num canto e me deixar impregnar com qualquer que sejam os fluidos, aqueles que me fazem sentir tão tranquila.
Os meus músculos relaxam indicando acessos interiores, viscerais, cinestésicos.
Ele é tão doce que eu sinto a brisa sussurrando através dos galhos, docemente.

segunda-feira, 8 de setembro de 2008


Foto do meu aniversário na Dois.a Publicidade. Hummm!! Foi muito bom.
Éricka - Adriana (a sujeita) - Raquel (a carioca!) - Sheline - Eu - Bethânia

Foto no churrasco de aniversário de Marcilio Neto (Mariz Cominicação)!!! êbaaaa.
Éricka - Tássia - Eu - Katiane



Entre chá de bebê e "A Culpa é de Fidel", o final de semana foi bárbaro.
Revi algumas queridas amigas, no chá de bebê de Tomás filho de Mileufis. Rimos muito juntas relambrando momentos inesquecíveis e engraçadíssimos.
Muiiiiiiiiiiiiiiitas grávidas!!! Além de Milena, que está com um barrigão de oito meses, Luciana também me aparece redondinha.
O tempo passa e com ele vem as surpresas e alegrias da vida. Bom saber que elas agora se preparam para ser mães, donas de família. Sinceramente fiquei emocionada.
Sem chá de nenhuma espécie (rs), comemos todas as guloseimas da festinha e certamente voltei pra casa uns quilinhos mais gorda (rs). É muito feliz também.
Antes de ir ao "chá", fui correndo, literalmente, pois acordei em cima da hora pra sessão cult do Cinemark, ver "A Culpa é de Fidel". Gostei muito do filme e indico.
Apesar da crítica é um filme que provoca algumas boas risadas, reflexões políticas e familiares. Tudo gira em torno da percepção de Anna, uma criança de apenas 9 anos que cresce no seio de uma família rica. Anna, depois de um certo tempo, começa a conviver com os ideais comunista de seus pais, sendo obrigada a perceber um novo mundo, diferente do que estava acostumada a enxergar.
Em algum momendo do filme aparece, meio que sutilmente, o tema aborto e lembrei-me de um texto de Márcia Tiburi que postei logo abaixo. Respirem e leiam!

Ficha do Filme
Título original: La Faute à Fidel.
Actores: Julie Depardieu, Stefano Accorsi, Nina Kervel, Benjamin Feuillet, Gabrielle Vallieres.
Realizador: Julie Gavras.
Argumento: Julie Gavras.
Género: Drama.
País: França, Itália


ABORTO


Aborto, soberania e mudez das mulheres *
Marcia Tiburi


Um dos aspectos mais interessantes quando se discute o aborto hoje é o fato de que os principais participantes da discussão são homens. Os mesmos que - é preciso dizer - nunca irão parir, jamais serão mães, não abortarão. Eles falam, enquanto as mulheres fazem. Não devemos com isso supor que os homens não deveriam participar de tais discussões, mas perguntar por que a palavra dos homens se mostra prevalente nesta questão. Devemos perguntar por que eles parecem mais interessados do que as imediatamente interessadas que continuam fazendo ou não seus abortos, tendo ou não seus filhos. A contradição entre o discurso dos homens e a ação praticada mulheres é o que precisa ser levada a sério. Ela pode ajudar a explicar porque o aborto não foi legalizado no Brasil e nem será em países onde as mulheres são, em sua maioria, pobres e desprovidas de poder. Por que as mulheres esperam caladas por todas as decisões políticas, inclusive às que as tocam diretamente?

A legalização do aborto não virá dos donos do poder e dos discursos que comandam e decidem sobre o corpo das mulheres. Elas, em silêncio, agem como se não fossem donas e senhoras de seus corpos. E, de fato, não o são enquanto continuam na velha economia da sedução, da prostituição, da maternidade, da vida doméstica, do voyerismo do qual são a mercadoria. Que as decisões sobre seus próprios corpos não pertença às mulheres é uma contradição que poucas podem avaliar. Não ter voz significa não pertencer à política. À medida que não participam e nem percebem o quanto estão alienadas da conversa, as mulheres perpetuam a injustiça que as trouxe até aqui. Em última instância, estão distantes da ética que envolve a decisão sobre seus direitos e sua própria vida.

Além disso, a questão do aborto sinaliza que a liberdade das mulheres - prisioneiras ancestrais de uma estrutura social que tem sua lógica - está sempre vigiada. Que nossa sociedade seja patriarcal significa bem mais do que dominação dos homens sobre as mulheres. Que estas sejam vítimas e aqueles algozes. Mas que o patriarcado depende da ausência de democracia na qual os direitos das mulheres venham à luz.

O que realmente assusta quando se fala em aborto é o que virá com a fala das mulheres e que dia após dia é praticado em silêncio nas clínicas deste país. É o fato e a prática cotidiana que se realiza de modo soberano ainda que clandestino. A soberania daquele que emite uma opinião fundamentada em seu próprio nome e por sua própria voz é análoga à soberania que uma mulher pode ter sobre seu corpo. Aquele que pode falar pode fazer porque cria, por meio de sua fala, valores, relações e consensos. Aquela que fala em seu próprio nome manifesta a possibilidade universal de que muitas a sigam ou simplesmente saiam da clandestinidade, única forma pela qual mulheres podem ser soberanas sobre seus próprios corpos sem correrem riscos na ordem moral e legal. É esta soberania das mulheres que assusta. Por isso, ela permanece na clandestinidade.

A ausência histórica de autorização para a fala e, assim para o poder, é elemento fundador do lugar ocupado pelas mulheres na sociedade. A fala das mulheres causa angústia e temor na ordem. Que mulheres possam tomar suas decisões e sejam amparadas pela justiça é algo que uma sociedade que se construiu pela submissão das mulheres e pela superioridade dos homens não pode suportar sem uma ampla renovação dos costumes.

Hoje, as mulheres que possuem algum poder proveniente do dinheiro ou da liberdade sobre a própria vida, praticam o aborto soberanamente. As que não tem poder algum – nem aquisitivo, nem intelectual, nem qualquer outro poder que garanta a autoconsciência quanto à pertença de seus corpos – são vítimas de uma sociedade que não prevê espaço para uma prática que deveria ser medida a partir da soberania da mulher sobre seu corpo e sua vida. Homens desde sempre souberam disso e imperaram sobre seus próprios corpos e sobre todos os corpos que lhes prestaram serviços, também os corpos de seus empregados, de seus filhos e filhas.

Perder o exercício do poder sobre o corpo das mulheres é o que assusta homens de mentalidade arcaica hoje em dia. Assusta as instituições autoritárias. Ter soberania sobre o próprio corpo talvez também não interesse a todas as mulheres, pois isso exige uma responsabilidade para a qual talvez não estejam individualmente preparadas.

* Originalmente publicado na Folha de São Paulo , 26 de julho de 2007, coluna Tendências/ Debates, A3.

domingo, 24 de agosto de 2008

Ctrl C / Ctrl V

Sexta-feira, na Dois.a Publicidade, era só no que se falava. A “semelhança” entre o vídeo da futura candidata a prefeita de Natal, Micarla de Souza, com o de Barack Obama, senador democrata e candidato a presidência dos EUA. Usei a palavra “semelhança”, pra aqui não ser indelicada com os tais criativos do vídeo, que foi ao ar no programa eleitoral. Entre nós publicitários, chama-se a tal façanha de “CHUPADA”. E que chupada!
Vejam, pra não dizerem que é balela.

sábado, 23 de agosto de 2008


Por Telga Lima

Para Cauã, o sentimento que enxergo em meu irmão.
Cauã,
Queria quebrar as tuas costelas naquele abraço, queria prender-te bem dentro das minhas veias.
Proteger-te do acaso, mas eu não estava lá. Ninguém pode com o acaso, nem meus pensamentos em ti, nem a sensação de tuas costelas ainda em meus dedos naquele abraço caloroso e tão meu.
Quero que saibas que meus pensamentos e todas as minhas forças estavam ali, deixei-as dentro da casa inteira, enquanto tive que ir. Deixei-a pelos quartos, pelo chão aonde pisavas, pelos seus objetos, nos teus pés, dentro dos teus sapatos.
Quero que saibas que minha doçura estava lá perto de ti, minha risada, meus gestos de carinho, minha alegria da tua presença.
Quero dizer que quando tive quer ir aquela hora, apressadamente, era pra trazer comida pra sua boca, alimento pra o teu corpo e tua alma.
Chamaste-me algumas vezes, rodeando-me, chamando-me insistentemente e eu respondia também insistentemente, sem entender que daí a pouco não ouviria mais chamar-me outra vez.
Aquela foi a última vez que ouvi chamar-me.
Quero que saiba que eu estava sim, estava, mas tive que sair e quando voltei eras tu quem não mais encontrava-se lá, esperando pelos meu abraço de quebrar costelas, eras tu quem não estava mais lá pra eu sentir tua pele quente adormecer na minha.
Sinto tanto que tenhas ido tão cedo, antes do anoitecer, queria você em meu colo como dantes.
Fecho os olhos e os teus brilham bem diante dos meus ainda, e será assim por toda a vida, até que eu te encontres em algum lugar e pode ter certeza que é o brilhos dos teus olhos que vai fazer se abrir um clarão, por essas vielas de bruma pelas quais tento seguir indiferente.
Sigo pelos seus irmãos Rayane, João Vitor e Rayra.

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

AGRADECIDA PELA GENTILEZA

Passe esta atitude adiante
Por Alberto Coutinho - Jornalista
Na correria do dia a dia temos convivido com um inimigo pouco visível, que corrói as regras básicas do convívio social: a falta de gentileza. A boa educação está cada vez mais banalizada e as pessoas, principalmente os jovens, muitas vezes se envergonham de ser gentis, respeitosas e amáveis com as outras. Expressões como “muito obrigado”, “por favor”, “com licença” e “desculpe” estão praticamente banidas do vocabulário das pessoas, que acham que não há tempo para “frescuras”, como costumam classificar as boas maneiras no relacionamento interpessoal.Cruzar com um desconhecido, ou até mesmo com um colega de trabalho ou um vizinho sem cumprimentá-lo, é algo corriqueiro, pois as pessoas nem percebem a importância de se desejar um “bom dia”, “boa tarde” ou “boa noite”. Cumprimentar o motorista e o cobrador ao entrar num ônibus, um zelador de um prédio ou um operador de caixa de um supermercado, faz toda a diferença na forma de como estas pessoas lhes atendem.Atitudes simples, como abrir uma porta de um restaurante ou de um banco e segurá-la para que um desconhecido entre, é uma cena rara e, quando acontece, não há qualquer tipo de agradecimento. Abrir a porta do carro para uma senhora entrar é “coisa do povo antigo”. Reduzir a velocidade para permitir que um motorista entre numa via pública movimentada, nem pensar. Ninguém nunca tem tempo para “deixar” alguém, que nunca viu antes, passar à frente.É lamentável que o ser humano esteja perdendo a capacidade de respeitar e preservar as boas regras do convívio social. Tratar mal, respondendo grosseiramente a alguém, é fato tão corriqueiro que as pessoas, na maioria das vezes, nem percebem o quanto foram indelicadas.Li num jornal de Mossoró (RN) que uma escola daquela cidade está desenvolvendo um projeto, que envolve alunos, funcionários e familiares, para o resgate de atitudes simples como pedir desculpas, agradecer e pedir “Por favor”. Acredito que este é o caminho e que as crianças podem contribuir muito para reverter esta situação de falta de respeito ao próximo.Mas é preciso contaminar toda a sociedade com o “vírus da gentileza”, como está fazendo uma rede de cinema de um dos shoppings de Natal, que lançou uma campanha concedendo desconto de 50% no ingresso, no ato da compra, ao cliente que der um sorriso ao caixa da bilheteria, neste mês de agosto. Parece pouco, mas o simples gesto de sorrir para alguém já é uma atitude de cortesia.Não podemos perder de vista nossos filhos, que acham que tudo que a gente faz não passa de obrigação de pai e mãe. Temos que ensiná-los a reconhecer o esforço e a agradecer os favores que lhes fazemos no dia a dia, por mais triviais que sejam. Acho que a família é a base de tudo para a construção de bons relacionamentos. Por gentileza, passe esta atitude à diante.

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Dica de Filme - "filme de amor".


EXPRESSÃO AMOR

Cão Sem Dono é como um verbo que se conjuga para todas as pessoas.

Por Eduardo de Araújo Teixeira.


Há alguns anos uma amiga mandou um e-mail perguntando se eu conhecia algum filme que tratasse de amor. Ela frisou, não queria uma "comédia romântica", mas um filme de "amor". Fiquei um tanto atordoado, pois foi quando percebi que a maior parte dos ditos “filmes românticos" tratavam, na verdade, da falta de amor, de todos os entraves que no desfecho são desatados e desembocam em um happy end . Mas se fosse hoje, para recomendar um filme que trata do amor, recomendaria Cão Sem Dono , de Beto Brant e Renato Ciasca.

Brant faz um cinema urbano, ágil, inteligente, com personagens jovens e tramas bem construídas. Cão Sem Dono comove o espectador por sua incomensurável tristeza. Beto Brant pôs finalmente de lado a vertigem da periferia, as peripécias da “ação”, o embate verbal que imperava em seus filmes e finalmente mergulhou mais profundamente no sujeito. É um filme sobre uma geração que entristeceu porque não vê muita saída no Brasil pós-tudo. O protagonista Ciro é seu espelho, um tradutor que não traduz, que quase não fala; às vezes balbucia umas palavras em russo (Ah, os angustiados russos!!!). O filme se abre ao espectador com o casal protagonista na cama, onde Ciro vai, sem volteios ou preâmbulos, ser ternamente devorado pela bela e jovem Marcela. Mais do que as idiossincrasias de um adolescente tardio perdido e uma menina linda que modela, -- porque seu grande sonho é viajar (um viajar por viajar, um viajar para conhecer o mundo, um viajar que é para conhecer-se), -- Cão Sem Dono é um filme de amor.

Preste atenção, não é apenas "uma história de amor", mas um filme SOBRE o amor. Amor que na história começa pelo sexo casual. Amor que se espraia pela caridade (recolher o cão vadio). Amor que se expressa em jantares entre pais e filhos. Um amor-amizade, que nasce com o gentil porteiro do prédio. Amor pelo perdão (com o motoqueiro que atropela a sua esposa), amor pela arte (e que não se explica, nas telas pintadas sobre jornais), o solidário amor do cuidar (dos pais e de Marcela adoentada), amor, por fim, que se revela desesperada paixão por Marcela, até seu apaziguamento em ternura no final do filme.

sábado, 9 de agosto de 2008


"POR QUE ESCREVO?
Escrevo pra tentar me entender
E também por saber
Que meus textos levam-me a você
Que saboreia cada palavra
Com boca bem gulosa...
Sempre quando pode me ler.
Também por saber que palavras são poderosas
Enlaçam e atraem as pessoas...
Que passam a caminhar juntas
De mãos dadas... coisa boa!
Palavras abrem caminhos
Que apresentam-se obscuros
São luzes: azuis, verdes...
Acendendo em pontos escuros.
As palavras nos uniu
Rimos com e delas...
Acalentam nossas dores
Mesmo as mais singelas.
Palavra não tem preço
Tem valor inenarrável...
Especialmente quando são
Pronunciadas por pessoa amável.
A palavra tem peso e cor
Elas levantam e fazem cair...
Pulverize com aroma de amor
A palavra que de sua boca sair".

Fátima Feitosa

segunda-feira, 21 de julho de 2008




Por Telga Lima

C a m i l a - a n g ú s t ia - f u m a ç a
Ê x t a s e – I n s ô n ia – I n t e n s a
E x t r a v a g a n t e – E x t r a v a s a r
P a i x ã o – p a s s i v a – p a s s i o n a l
A m a r r a s – A r m a – A m o r
C a mi l a – D u l c í s s i ma – D o l o r e s
D o u r a d a - d u ro – D O R

Camila Lopes saiu da autobiografia ficcional de Clarah Averbuck. O filme tem base nos livros (Máquina de Pimball e Pulo do Gato), e Camila transformou-se em - Nome Próprio - pelas mãos do cineasta Murilo Salles e da atriz Leandra Leal. Deram vida à poesia irreverente e cibernética da menina meiga com ares de diabo. De sua conexão discada viciante e lenta, ela é viciada em uma vida desconectada das regras do manual da “boa moça”, e, sozinha escreve seu destino de frustrações e literatura. Camila é salva pela palavra.
Sinceramente, adorei. O filme é poesia pura. Vou logo avisando que não sei o que pensam os cinéfilos a respeito, nem bisbilhotei os sites por aí pra inteirar-me do quê andam dizendo, pra não influenciar-me sobre...
Ouvi um comentário ali, outro acolá, mas fiz ouvidos surdos.
A personagem é fascinante e o sexto longa de Murilo Salles se enche de palavras na tela que tentamos devorar loucamente. E pra o meu deleite ele exagera nos closes, o que muito me agradou também. De quebra ouvi a singela - ...Vai chover pingos de amor. A vida passa telefono e vc já não me atende mais... E por aí vai (rs). Alguém conhece?
Ah, um detalhe importante que soube é que Viviane Mosé, filósofa e esritora, foi responsável pela edição final dos textos escritos e ditos em off pela Camila no filme. Pra quem não a conhece ela é dona do poema abaixo:

Outra carta(Viviane Mosé)

"Eu não sei se por esse vento frio entrando pela janela ou quem sabe por esse vento frio entrando pela janela ou mesmo por esse aconchego de meias de lãs e esse vento frio entrando pela janela ou por qualquer que seja o que for [eu quero te dizer tantas coisas: Todos os passos que dei um a um [e todas as coisas que passaram e tudo que foi se misturando ao que eu era. Pra você ir sabendo o que sou [posso cantar cada música que ouvi e cada livro e cada bula de remédio e cada rosto e cada tostão emprestado cada choro. Os avisos e as ruas [os andaimes as manchetes os incêndios os sinais. Todas as manhãs. Todos os dias santos. Tudo que me atravessou eu quero te mostrar o corpo que ganhei esses anos os fios e as falhas a voz e o avesso e o tempero e a calma. Quero te contar o silêncio alcançado a custa de guerras e as terras que plantei e os temporais. Os temporais. E os nós na garganta. É maio e eu morro de vergonha de falar de amor. Mas esse vinho quem sabe veio aos verbos mostrar que preciso de sua boca e seu cabelo e seu cheiro e sua mão: eu não sou só verso sou um corpo em lençóis de pele a te vestir como luva. Meu corpo a te vestir como luva. Embriagada de vento e vinho penso na morte e em seu pau duro".

segunda-feira, 7 de julho de 2008

Cuba, ela é a princesa da casa!


Leio enquanto ela me observa
Ando enquanto ela tenta pegar meu pé
Sento e ela vem pro meu colo
Choro, ela fica quieta e lambe, de leve, a minha mão.
Durmo, e ela? Dorme.
Desperto e ela está á espreita
Aliso seu pêlo, ela se derrete e eu me derreto junto.
Assim é minha pequena persa-linda-Cuba-amor.
Por Telga Lima

Era cinza, de um cinza fúnebre aquela calçada torpe por onde pisavam meus pés.
Descalços, os pés, não apenas os meus pés, mas descalços estavam os meus sentidos, com pisadas que oscilavam, entre o cinza do cimento velho e a bruma que chegava, quase sempre com os tons acinzentados do meu pensar de menina desprotegida, do meu pesar de mulher de poeira cinza claro.
Uma névoa cobria os meus olhos enquanto eu pisava e tentava seguir em frente, sem nenhuma nitidez, sem clareza, sem vislumbrar o outro lado.
Passavam por mim transeuntes que poluíam meus olhos de um colorido mal quisto que me faziam franzir a testa e detestar o colorido que maculava meu semblante de uma cor viva, que eu não desejava ver. Que eu não podia enxergar.
Lúgubre eram as paredes das casas, descascadas e gastas pelo tempo que impiedosamente faz desbotar paredes, que deslustra tudo, rouba o viço que enfeitam as fachadas. O tempo, que deixa á mostra as marcas do cinza, que empalidece, tira o brilho. Por trás das “fachadas”, é sempre o cinza que aparece, com ar sarcástico, risonho, alheio ao colorido em volta.
Meio trôpega ainda sigo virando ruas, pisando calçadas. Ignoro o tempo que se prepara, escurece com cara de chuva, com cara de cinza. É inevitável e os pingos caem e lavam minha pele de menina colorida, que oscila entre tons vibrantes e mornos, que oscila suas pisadas nas calçadas, que oscila entre os transeuntes, que tenta se proteger da chuva, da bruma, da névoa, do cimento velho, do riso sarcástico do tempo que machuca o seu semblante de mulher de poeira cinza claro.
Virei à última rua e já era dia de um vermelho intenso, “Kahlo”.
Virei à última esquina e já era vivo de uma cor “frida”
E fui seguindo em frente.

sexta-feira, 27 de junho de 2008


Por Telga Lima


Difícil amanhecer quando ainda há aquela crosta fria cobrindo o peito inerte e ainda ileso momentaneamente.
E do peito, catamos pelo chão, ao redor da cama, farpas de migalhas.
Pequenos pedaços, monstruosos enganos.
Ilusões decepadas como raízes cortadas antes do tempo de vingar,
de tomar cor, colorir-se.
Difícil grafar-se de paciência e aceitações, de nenhuma lucubração.
Amanheço eunuco, patético, títere e tento rapidamente recolher as tais migalhas.
Tento juntá-las, unir desesperadamente uma a uma, para ver se no fim, talvez
antes do anoitecer, eu me desenlaço de suas fantasmagorias. O que parecia tão real era forma indefinida, miragem medonha e apavorante.

terça-feira, 24 de junho de 2008

"A poesia é um modo de organizar a vida, gerar sentido, renovar a memória com a intensidade da percepção. É selecionar o que foi descartado. Ela desenvolve uma repescagem do cotidiano".

Fabrício Carpinejar

sábado, 21 de junho de 2008

BRAVO!


É assim que gostaria de me sentir agora, saindo do Teatro Faap, em São Paulo, meio atônita, arrebatada, absorta, elevada, após assistir Hamlet de shakespeare, ou melhor dizendo, de Aderbal Freire Filho, na verdade, o Hamlet de Wagner Moura, que segundo alguns comentários sobre a peça, tira o seu personagem da farsa, da própria representação dentro da representação.
Em entrevista concedida à revista Bravo, este mês, o ator diz do poder de transformação de Hamlet em sua vida e desabafa: "Você abandona muita coisa da sua vida pessoal, larga tudo pra fazer um pedaço de um sonho. Invariavelmente, vai sair machucado. É impossível passar por Hamlet ileso como ser humano; é despencar vertiginosamente, mexer com fantasmas muito profundos dentro de você. Faz você repensar a humanidade, sua vida, e esse é o grande barato."
A grana está curta e a vontade enorme, mas tem tempo. A peça fica em cartaz de junho a setembro no Teatro Faap, depois segue pra Curitiba, Bahia e Rio se Janeiro. É só escolher o lugar. Difícil, não?
O Teatro Faap fica na Rua Alagoas, 903 (11/3662-7233). Sexta e sábado às 20h. Domingo às 18h. Ingressos custam R$ 80

sexta-feira, 13 de junho de 2008


Por Telga Lima

É assim, meu caro.
Uma dissonância só.
Uma cacofonia
Uma claustrofobia
Um desamparo só.
E pensou que fosse assim, melodicamente perfeito?
Quem dera fosse!
É isso mesmo: cru, seco, cacofônico, sem pena!
Tudo em tamanho reduzido, fechado.
No final das contas, meu velho, é tudo assim mesmo, efêmero, que dura um só dia.
Diz-se da flor que fenece no próprio dia em que se abre.
De pouca duração, transitório, passageiro.
Flor no cabelo que murcha, perde o viço, caduca.
É assim, meu velho, espera! Tudo passa.

domingo, 8 de junho de 2008

Namoramor


Por Telga Lima


Amar é uma cantiga dessas do tempo.
É uma arte de ocasião e não pode haver frieza na expressão do rosto.
Oh! Alma de anjo! Sorria, derreta teus olhos, ou fecha-os.
Deixa estar, que eu hei de fazer tocar um dia.
Minha felicidade não pode ser maior, contento-me com pouco e curvo-me à lei que de coração aceito, viver sem frivolidades, sem festas e passatempos.
Por maior que seja o contraste entre nossas índoles, há um afeto verdadeiro que nos aproxima e o amor cresce de intensidade.
Eu comporei o meu instante e uma canção nova dessas do tempo, uma que me saia da alma, capaz de traduzir as expressões mais sublimes do espírito.
Por ora, deixa-me contemplar-te primeiro.

Aos namorados do Brasil

Carlos Drummond de Andrade
Dai-me, Senhor, assistência técnica para eu falar aos namorados do Brasil. Será que namorado algum escuta alguém? Adianta falar a namorados? E será que tenho coisas a dizer-lhes que eles não saibam, eles que transformam a sabedoria universal em divino esquecimento? Adianta-lhes, Senhor, saber alguma coisa, quando perdem os olhos para toda paisagem, perdem os ouvidos para toda melodia e só vêem, só escutam melodia e paisagem de sua própria fabricação? Cegos, surdos, mudos - felizes! - são os namorados enquanto namorados. Antes, depois são gente como a gente, no pedestre dia-a-dia. Mas quem foi namorado sabe que outra vez voltará à sublime invalidez que é signo de perfeição interior. Namorado é o ser fora do tempo, fora de obrigação e CPF, ISS, IFP, PASEP, INPS. Os códigos, desarmados, retrocedem de sua porta, as multas envergonham-se de alvejá-lo, as guerras, os tratados internacionais encolhem o rabo diante dele, em volta dele. O tempo, afiando sem pausa a sua foice, espera que o namorado desnamor e para sempre. Mas nascem todo dia namorados novos, renovados, inovantes, e ninguém ganha ou perde essa batalha. Pois namorar é destino dos humanos, destino que regula nossa dor, nossa doação, nosso inferno gozoso. E quem vive, atenção: cumpra sua obrigação de namorar, sob pena de viver apenas na aparência. De ser o seu cadáver itinerante. De não ser. De estar, e nem estar. O problema, Senhor, é como aprender, como exercer a arte de namorar, que audiovisual nenhum ensina, e vai além de toda universidade. Quem aprendeu não ensina. Quem ensina não sabe. E o namorado só aprende, sem sentir que aprendeu, por obra e graça de sua namorada. A mulher antes e depois da Bíblia é pois enciclopédia natural ciência infusa, inconciente, infensa a testes, fulgurante no simples manifestar-se, chegado o momento. Há que aprender com as mulheres as finezas finíssimas do namoro. O homem nasce ignorante, vive ignorante, às vezes morre três vezes ignorante de seu coração e da maneira de usá-lo. Só a mulher (como explicar?) entende certas coisas que não são para entender. São para aspirar como essência, ou nem assim. Elas aspiramo segredo do mundo. Há homens que se cansam depressa de namorar, outros que são infiéis à namorada. Pobre de quem não aprendeu direito, ai de quem nunca estará maduro para aprender, triste de quem não merecia, não merece namorar. Pois namorar não é só juntar duas atrações no velho estilo ou no moderno estilo, com arrepios, murmúrios, silêncios, caminhadas, jantares, gravações, fins-de-semana, o carro à toda ou a 80, lancha, piscina, dia-dos-namorados, foto colorida, filme adoidado,, rápido motel onde os espelhos não guardam beijo e alma de ninguém. Namorar é o sentido absoluto que se esconde no gesto muito simples, não intencional, nunca previsto, e dá ao gesto a cor do amanhecer, para ficar durando, perdurando, som de cristal na conchaou no infinito. Namorar é além do beijo e da sintaxe, não depende de estado ou condição. Ser duplicado, ser complexo, que em si mesmo se mira e se desdobra, o namorado, a namorada não são aquelas mesmas criaturas que cruzamos na rua. São outras, são estrelas remotíssimas, fora de qualquer sistema ou situação. A limitação terrestre, que os persegue, tenta cobrar (inveja) o terrível imposto de passagem: "Depressa! Corre! Vai acabar! Vai fenecer! Vai corromper-se tudo em flor esmigalhada na sola dos sapatos... "Ou senão: "Desiste! Foge! Esquece!" E os fracos esquecem. Os tímidos desistem. Fogem os covardes. Que importa? A cada hora nascem outros namorados para a novidade da antiga experiência. E inauguram cada manhã(namoramor) o velho, velho mundo renovado.

terça-feira, 3 de junho de 2008

Virei fã!

Por Rodrigo Levino
Ainda, cartas...

Não consigo me concentrar no caos. Tua calmaria prevalece no meu pensamento.
Dia desses nos cruzamos nalguma rua. Só eu percebi.
E vi você se afastando cada vez mais, no meio de tantos carros e rostos diferetes.
Segui até onde os olhos puderam alcançar.
Cara, eu fico espalhando lembretes pela casa, para te mostrar uns versos que
achei interessante, uma música que é a sua cara.
Cerco-me de você tentando, iludir à distância.
Mas acabo como sempre. Depois de horas
vagando pelas ruas à meia-luz, só me resta mais uma
crônica.
Talvez eu te ligue num fim de tarde desses qualquer. Pra
desejar um resto de dia feliz. Bom, pelo menos você tem
a garantia de que coisas estranhas assim só podem ser
do meu feitio. Não deixa de ser também uma forma de
você absorver afeição. Afeição é bom.
Eu sei que nossos mundos são completamente diferentes.
Eu aqui interessadíssimo em bandas novas
do interior da Escócia e fi lmes de diretores “lado B”,
enquanto você se desdobra numa vida mais real. Isso
sempre conta muito. Mas é isso. “Borboletas são flores
que aprenderam a voar”. Eu ainda não sei dançar tão
devagar, pra te acompanhar.

quinta-feira, 29 de maio de 2008

"As idéias, elas não têm pureza, são sujas de humano, sujas de mundo. Filhas dos erros, como também dos erros são filhas as poucas e efêmeras perfeições que atingimos ao longo da vida. Erros são degraus e portas e portais, se nós tivermos coragem para reconhecê-los e ultrapassá-los".
CARMEN VASCONCELOS

PABLO NERUDA

Roubei lá do substantivo plural, esse belíssimo poema de Neruda. Um dos mais importantes poetas do século XX.

A noite na ilha
Dormi contigo a noite inteira junto do mar, na ilha.
Selvagem e doce eras entre o prazer e o sono, entre o fogo e a água.
Talvez bem tarde nossos sonos se uniram na altura e no fundo, em cima como ramos que um mesmo vento move, embaixo como raízes vermelhas que se tocam.
Talvez teu sono se separou do meu e pelo mar escuro me procurava como antes, quando nem existias, quando sem te enxergar naveguei a teu lado e teus olhos buscavam o que agora - pão, vinho, amor e cólera - te dou, cheias as mãos, porque tu és a taça que só esperava os dons da minha vida.
Dormi junto contigo a noite inteira, enquanto a escura terra gira com vivos e com mortos, de repente desperto e no meio da sombra meu braço rodeava tua cintura.
Nem a noite nem o sonho puderam separar-nos.
Dormi contigo, amor, despertei, e tua boca saída de teu sono me deu o sabor da terra, de água-marinha, de algas, de tua íntima vida, e recebi teu beijo molhado pela aurora como se me chegasse do mar que nos rodeia.

terça-feira, 27 de maio de 2008

Cravado Feito Alfinete

Por Carmen Vasconcelos
Pensando em escrever sobre o começo do amor, lembrei uns versos de Eugênio Montale. Quando eu digo lembrei, quero dizer, eles vieram, os versos, e esta é a relação de maior prazer que tenho com a poesia: quando versos vêm por eles mesmos, por fragmentos, quando eles se escolhem, não eu, embora venham para atender uma necessidade minha. Aí a lembrança é só satisfação. Ah, eu falava dos versos de Montale. Não foi fácil achá-los hoje, preciso ler mais meu poeta. Enfim, encontrei-os. São do poema Götterdämmerung: “os inícios são sempre irreconhecíveis/ quando se constata alguma coisa é porque ela já/ está cravada como um alfinete”. O poema não fala de inícios de amor, mas penso que esses versos traduzem a obscuridade e confusão do começo da relação amorosa. Pelo menos me chegaram quando eu divagava sobre a floração do sentimento de amor, sobre os momentos nos quais, assaltados e sobressaltados por ebulições que nos tiram do eixo e não sabemos para onde vão nos levar, somos tomados pela insegurança. Digo com a palavra amor o que muita gente diz com outros nomes. É que não concebo o amor diferenciado, discriminado, dissecado. Nunca vi sentido em separar amor de paixão e muito menos em vê-los como sentimentos antagônicos. O que aqui chamo de amor é talvez o que outros chamem paixão ou entusiasmo ou encantamento. Ou feitiço. Ou vodu. Para mim, é amor. E amor, mesmo cortante, crava-o em nós um deus. Então, vamos a Eros, o começo. Eros, o “demônio poderoso”, regente daquele período no qual, sem pedir licença, uma pessoa toma posse do nosso pensamento. Estabelecemos não uma, mas duas relações: com o outro e com o sentimento do outro, esse que se volatiliza. Esse que nos inquieta: amamos. Somos amados? Nem deus sabe. Pudéssemos estar certos da força, da perenidade, da verdade do amor do outro, conheceríamos calmaria. Pudéssemos adivinhar se amanhã o amor do outro estará arrefecido, acionaríamos os nossos mecanismos de recuo enquanto os temos, se é que ainda os temos, pois também eles se volatilizam quando menos esperamos. É todo inquietação o começo do amor. A amiga ensina um “mantra” para acalmar: “seja intenso enquanto dure”. E quando o fantasma da perda perturba a repetição do mantra? Quando o telefone não basta, o torpedo no celular não basta, o e-mail não basta? Resta-nos apelar ao místico poeta: valei-me, São João da Cruz, nessa “doença de amor que só se cura/ com a presença e com a figura”. A ansiedade pela figura fez o bardo Orfeu perder a amada. Para resgatá-la da morte, ele precisava acreditar que ela estava atrás dele, porque isso lhe dissera a deusa dos infernos, mas não podia olhar para trás, tinha de confiar. Mas basta a só impressão da ausência do outro para nos esvaziar, o amor roga contemplação e toque. Ao virar-se para ver sua Eurídice, Orfeu desobedeceu à deusa, e a imagem da amada desapareceu para sempre. Condenaríamos Orfeu? Não, o amor, ainda mais no começo, conjuga o verbo pegar. Então, que amor se chamaria amor, se não ousasse desobediência? Desobediência, risco, incerteza... Ou você ama, ou constrói escapes. Quando nos damos conta, o amor já está cravado como alfinete ou flecha, destilando a insegurança que o mineiro Celso Adolfo tão bem decantou, na canção “Nós dois”: “e nós que nem sabemos quanto nos queremos/ que nem sabemos tudo que queremos/ como é difícil o desejo de amar/ (...) e nós que nem soubemos nos querer de vez/ estamos sós, laçados em dois nós...”

segunda-feira, 26 de maio de 2008


Por Telga Lima.

Leve, muito leve, pneumática e, a vida corre.
Sem um sentido escrito, descrito, script.

Só respiração, sopro no peito, assobio de assobiar.
Levemente repleta, um tanto vazia.
Uma topada num paralelepípedo, em chão mal feito, desalinhado, descascado, desconjuntado
E meu peito ainda assim... leve, pneumaticamente.
Feliz batendo descompassado, passo fora do passo.
Eu por aí, me deliciando desse pedaço mais doce, o pedaço de me sentir leve e me encher de uma sarcástica paz, que me deixa um sopro de soprar, uma topada de acertar, um sentido muito raro de viver.

O amor é uma droga pesada


Como se eu fosse velha muito velha pela milésima vez correndo essas estradas aqui barranco de terra vermelha ali capim-gordura incendiado ao sol a casa pobre bucólica só de longe o gado magro o arame farpado o vira-lata caipira e eu mulher muito velha voltando mais uma vez da viagem sem esferas com minha inútil bagagem de antigos registros sentimentais brasileiros. o amor é uma droga pesada perde-se a exata dimensão da vida e o retorno é lento, cheio de falsas visões cold turkey me quero de volta e que esses matos voltem a fazer sentido sinto falta do mundo sintetizado em sua ordem nos meus pensamentos não esse oco reverberando mandalas nos ossos do crânio não a dissolução de todas as certezas o mundo apenas sua representação me contendo me dizendo a que pertenço afinal o amor é uma droga pesada e eu uma velhíssima mulher gozando pela milésima vez a viagem infernal.

O poema que dá nome ao segundo livro de Maria Rita Kehl, editado em 1983, traz a pulsão da geração de esquerda pós 1968 e expressa, certamente, um dos máximos estéticos deste novo sentimento do mundo.

terça-feira, 13 de maio de 2008


Nunca havia posicionado os meus olhos para enxergar a estreita relação que o narcisismo, ou a cultura narcisista, tem com o despencar da auto-estima que desemboca em melancolia e, em um estágio mais avançado, em depressão. Nem ao menos sabia que as angústias têm ligação com tudo o que é “superestimado” na infância, daí a grande dificuldade do ser humano em lidar com perdas.

O aprofundamento dessas questões está no texto de Luciana Chauí Berlinck, A sociedade do narcisismo e da melancolia, publicado na revista Cult. Extraí apenas um parágrafo, para postar aqui no blog, que me chamou bastante atenção e que, de maneira muito particular, me interessou.
Veja o texto completo: Revista Cult

"Alguns traços permitem pensar a sociedade contemporânea como narcisista e promotora de narcisismo: o gosto pelo efêmero e a perda de referência temporal ao passado e ao futuro; a rápida obsolescência das qualificações para o trabalho, dos valores e das normas de vida e o prestígio do paradigma da moda; a competição como forma de constituição da identidade pessoal; o medo, gerado pela insegurança e pela competição; a perda da autonomia individual sob o poderio do "discurso competente" (a fala dos especialistas); a incapacidade para simbolização e o conseqüente fascínio pelas imagens e pela nova forma da propaganda e da publicidade, que não operam referidas às próprias coisas e sim às suas imagens (juventude, beleza, sucesso, poder) com as quais o consumidor deve identificar-se. Desses traços, a relação com o tempo, e a impossibilidade de simbolização sob o prestígio das imagens são importantes para a determinação da melancolia".

Luciana Chauí Berlinck é psicanalista, autora do livro Melancolia: Rastros de dor e perda (no prelo).

"Homem de Firme Destino - Uma odisséia grotesca rumo ao sul",

Li de um fôlego só e recomendo a leitura deste texto do visceral escritor Márcio Nazianzeno. Com muito humor ele alerta:
"Em todo caso peço para que não deixem para encontrar o amor verdadeiro somente após a morte, quando serão vocês mais respeitados e queridos, que nunca se sabe..."
Você vai abrir uma gargalhada daquelas. Leiam até final.

Por Márcio Nazianzeno.

CAPÍTULO XIV(Onde o herói copula com uma assombração que mais tarde se revela uma prolífica escritora de auto-ajuda).
Naquela noite de lua cheia, nas redondezas do velho castelo do Conde de Langresgraais, um gato preto como a escuridão correu por baixo de uma escada. O episódio, por assim dizer, poderia deixar alguns supersticiosos realmente confusos: se um gato preto, cuja corcunda carrega a encomenda da má-sorte aos outros, acaba ao custo de rara coincidência ele também contraindo algum azar ao passar por baixo de uma escada (o efeito seria o mesmo de dois gatos pretos se entrecruzando em uma esquina) teria ele anulado a maldição? Ou somente potencializado seu efeito, ficando ele mesmo tão azarado quanto os desafortunados com quem encontra? Para o esfomeado Homem de Firme Destino, cujo estômago já começava a digerir o próprio vazio num doloroso processo de autofagia mais física que existencial, era algo que definitivamente não lhe dizia qualquer respeito. Ocorreu-lhe, então, desistir do gato. Além de astuto, o bicho era tão mirrado que de tão magro não lhe renderia nem mesmo uma sopa. Haveria de prosseguir a caçada, o Homem, não tivesse ele a ambição comum somente aos grandes heróis e desafortunados. Eis o que os ventos supõem: a muralha do castelo do Conde de Langresgraais, iluminada pela luz azul da lua, era por si mesma um mistério: uma espécie de cortina a encobrir um todo um universo de possibilidades – dentre elas, a de encontrar um banquete dos mais ricos regado a vinho e carne de caça, gentilmente servido e compartilhado pelas damas da corte – aristocratas, nobres, serviçais, escravas, de origens étnicas as mais diversas – vestidas com seus espartilhos apertados tais máquinas de tortura, e, ainda, sorrindo docemente apesar da carne da cintura brutalmente transferida para partes mais nobres quais as nádegas e os seios. Ora, pois, com o apetite em que estava as devoraria mesmo na mesa, ainda com uma costela de faisão a assobiar entre os dentes, as mãos gordurosas, e assim varreria o vazio do estômago e saciaria ainda seu companheiro, o cavalheiro da retumbante figura: eis aqui a justiça e a igualdade entre irmãos. Mal havia se aproximado do fosso que cercava o castelo, onde anunciaria sua chegada a pedradas, e a ponte levadiça esticou como uma língua de ferro. Sem pestanejar, realizou a travessia como um inseto prestes a ser engolido. Chegando ao pátio, onde o mato era vasto, nada vivo encontrou exceto por alguns morcegos e ratos que logo fugiram. Talvez, disse às paredes, esse amontoado de rochas e insetos fosse de mais valia ao gato preto que, vá lá, também merecia um repasto. E assim, como uma fagulha de esperança, algo se pronunciara à sua frente. Estava ali um soldado medieval de traços marcantes: levemente transparente, de nariz grande e uma machadinha cravada no meio do crânio, que lhe dava, por assim dizer, certo reforço ao seu estilo medieval. Sem mencionar palavra e protegendo a retaguarda, o soldado escoltou o Homem de Firme Destino até o salão principal onde se encontravam os outros de sua estirpe, os fantasmas. O soldado, então, parou. E com o ar mais indiferente desse mundo se desfez em uma espécie de poeira, alcançando um efeito pirotécnico ainda mais interessante que a machadinha na cabeça. O Homem de Firme Destino compreendeu, naquele instante, que o antigo castelo do Lorde de Landergaais havia se rendido não às guerras e a guerreiros, mas à fúria dos tempos modernos, que lhe transformou em hotel que, embora medieval, era ainda assim somente um hotel, freqüentado por fantasmas de nobres, aristocratas e etc. dos mais longínquos séculos em busca de entretenimento vazio e barato. E, assim, quando estavam entediados demais, eles arrastavam pelo castelo suas grossas correntes, derrubavam objetos pela casa ou simplesmente percorriam os cômodos para abrir e fechar portas rangentes – porque assim se sentiam vivos, como quando não podiam simplesmente atravessar as paredes. Pois bem: portas rangiam, correntes eram arrastadas e objetos flutuavam no ambiente quando avançou pelo salão o Homem de Firme Destino, o obstinado, que logo cravou os dentes na massa de ectoplasma de uma entidade que ali na sua frente estava a se materializar: possuído pela fome, terminou por devorar a perna esquerda da antiga Condessa de Langresgraais. Foi então que, tentando contornar a situação em que acabara de condenar uma alma penada a vagar pela eternidade sem uma das pernas, uma falta de modos descomunal, diga-se, tratou de recompensar a assombração com o mais intenso prazer carnal. Sussurros sensuais & sombrios, gemidos lamuriosos ensandecidos, arrepios em cada pêlo de seu magro corpo; com o da retumbante figura a deferir violentas estocadas na massa translúcida como se flutuasse nas nuvens – estava a currar a assombração com invejável empenho. Os mais supersticiosos, deixando um pouco de lado a problemática do gato preto e a escada, passariam então a discutir as questões éticas do sexo entre corpo e espírito. Mais tarde o caso ganharia maior atenção e popularidade com os best-sellers de autoria da própria Condessa, que se revelou uma prolífica escritora dos maiores livros de auto-ajuda jamais psicografados. Dentre seus sucessos, podemos destacar os inconfundíveis “Porque humanos fazem sexo e fantasmas fazem amor”, “Sexo após a morte: uma questão de espírito”, “Morri. E daí?”, “A vida começa aos 670” e o polêmico “Na cama com Deus – As revelações da Condessa de Langresgaais”. A autora, que jamais obteve sucesso em vida, nega os boatos sobre a existência de um ghost writer.
Acreditem ou não, foi assim que, naquela noite de lua cheia nas redondezas do castelo do Conde de Langresgraais, o Homem de Firme Destino provou que não existe obstáculo suficientemente grande para o amor. Em todo caso peço para que não deixem para encontrar o amor verdadeiro somente após a morte, quando serão vocês mais respeitados e queridos, que nunca se sabe...

quinta-feira, 8 de maio de 2008

SHOPBAGS


Não há como resistir às sacolas ecologicamente corretas, shopbags, ou ecobags, por inúmeras coisas que são extremamente relevantes para a sustentabilidade do planeta e pra nossa “bossa”, claro, e, não apenas, mas pelo fato de serem descoladas e possíveis de personalizar, customizar. Para nós publicitários, uma alternativa para incrementar as ações dos nossos clientes, sugestão de brinde, distribuição em eventos, entre outras tantas opções. A maioria das empresas se engaja realmente pra aliar a marca a projetos e atitudes de preservação do meio ambiente. A dica está dada, é só entrar o blog Pedaço de Amor um ateliê que já desenvolveu algumas, em parceria com a publicitária Suzana Santos Rossi. As sacolas são confeccionadas em Algodão Cru externamente, muitas vezes com a logomarca do cliente, ou apenas desenhos divertidos, e internamente em tecido estampado 100% algodão. Está tudo lá.
Para quem gosta ou mesmo sem gostar, vai ao supermercado, está mais do que na hora de levar sua própria sacola e esnobar as capengas e tóxicas sacolas de plástico. Se você gosta de se exibir até fazendo feira (rs), veja as sacolas no site "coisas da doris".

quarta-feira, 30 de abril de 2008

Espetáculo Midiático

JUSTIÇA OU LINCHAMENTO?

Roberto Romano

O desejo de ouvir perversões morais está na origem da imprensa sensacionalista. Um fato se amplia ao ser publicado. Elias Canetti diz que o inferno é a pior invenção humana. Depois que ele foi imaginado, todos os tormentos são previsíveis. Setores da imprensa, associados a grupos que não merecem o título de polícia, fabricam a unanimidade que expulsa análises e prepara almas para o inferno. O pretexto pode ser a luta contra a corrupção, a notícia com seu interesse público, o assassinato de uma criança. O que se faz realmente é armar o espetáculo dos “populares” que transformam dor e violência em dança de hienas.

Plutarco diz que existe o erotismo do mal e pergunta ao curioso: “Porque olhas, atento, as doenças alheias/ homem perverso/ se não percebes as tuas próprias mazelas?”. Algo próximo à diatribe de Jesus: “Por que vês o argueiro no olho de teu irmão, e não reparas na trave que está no teu próprio olho? (...) Hipócrita! tira primeiro a trave do teu olho” (Lucas, 6, 36-42). O malvado se alegra com a infelicidade alheia e “põe seus olhos num copo de água, mas ao sair de casa os coloca para ver o que se passa na vizinhança” (Plutarco). Curiosos não suportam enxergar sua própria vida enfadonha. Quando ouvem a narrativa de um casamento, ficam desatentos, bocejam. Mas se alguém fala de uma jovem violada ou seduzida, adultério ou briga entre irmãos, eles despertam, exigem detalhes, gozam. Curiosos adoram ouvir e contar coisas picantes. A constelação medíocre da maledicência é o solo de onde brotam as sementes infernais. A hiena “humana” ouve o rádio ou enxerga a imagem na TV, corre à feira, ao bar, paróquia ou escola. E finge indignação, parola sobre justiçamento, pena de morte e tortura, horrores de sua mente perversa. Lei, juiz, advogados, todos os recursos e operadores do direito são por ela vilipendiados entre berros e gargalhadas. Curiosos só conhecem o linchamento.

No caso dos Nardoni - culpados ou inocentes - o clima é de carnaval nas trevas. Até fantasia de árabe aparece, os manifestantes mostram alegria luciferina. Regressão à animalidade? Animais não cantam nem dançam, não comem bolos sacrílegos, não se alegram com a dor dos seus iguais. Histeria coletiva, ou demônio nos olhos, gargantas e corações dos propensos ao seu império? A ciranda das multidões evidencia a existência diabólica, o ensinamento mais realista do cristianismo.

Na semana passada, com a desculpa da luta contra a corrupção, a Polícia Federal prendeu um advogado, nele colocou algemas e o exibiu na mídia. A OAB paulista clama contra as prisões desnecessárias, invasões em escritórios de advocacia, uso desnecessário de algemas. Gravíssimo: tais abusos são autorizados pela justiça. Qual lei garante à polícia gerar semelhante espetáculo midiático ? Em países civilizados a TV mostra os suspeitos com os rostos embaçados, não raro incógnitos. Quando uma pessoa se move em massa humana, perde a dimensão dos direitos e deveres. Nem desconfia que o linchado hoje pode ser inocente. E nem desconfia que ela mesma pode ser linchada amanhã.

Segundo Montesquieu o ser humano submetido à religião, à lei, à própria palavra, está próximo da divindade. Ele só é gente ao reconhecer interditos à sua violência natural. Longe de repetir a lei de Talião ou o rito do bode expiatório, a justiça define interditos de natureza racional. “O jurídico é paramentado por uma autoridade sagrada, mas a partir desse momento, o sagrado terá apenas uma função jurídica. A violência humana foi superada pela linguagem razoável da lei”(J. Starobinski, Montesquieu). A justiça sacraliza o melhor do humano, a vontade de manter a palavra. A lei impede a guerra e a violência de assolar o coletivo. O Brasil não confia na palavra dos cidadãos e não pode confiar na palavra dos governantes. O Brasil só confia em algemas, truculência policial, espetáculos arrogantes dos animais fortes. O Brasil só confia nas propinas, nos meios ilegais de garantir o mando de indivíduos e grupos. O Brasil está longe das ordens divinas, é inquilino do inferno.

segunda-feira, 28 de abril de 2008

As várias faces de Clarice. (1920-1977)


A escritora ucraniana, Clarice Lispector, agora em muitos ângulos para todos os fãs. A fotobiografia, da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo/Edusp, organizada por Nádia Gotlib, especialista na vida e obra da escritora, traz 656 págs. que mostram 800 imagens muitas delas inéditas.
Ganhei de um grande amigo, Correio Feminino, que reuni textos da escritora publicados em colunas e suplementos femininos da imprensa brasileira durante as décadas de 50 e 60. Sob pseudônimos ou como ghost writer, esta Clarice Lispector jornalista feminina revela ao leitor as inquietações, hábitos e tendências da mulher brasileira daquela época.
Vejam o que disse a autora:
"Se você trabalha fora, comanda ou dirige equipes, trata de assuntos comerciais com homens, interessa-se, por força da profissão, pela cotação do mercado, pela contabilidade mecanizada, enfim, se você é obrigada a deixar de lado as maneiras delicadas e muito femininas, muito cuidado! O grande perigo que a ameaça é a masculinização de seus gestos, de sua palestra, de seu pensamento."
Muito bom isso!

terça-feira, 22 de abril de 2008


Ela me ganhou com essa frase escrita bem aí sobre a sua foto, principalmente, porque andei pensando e postando algumas coisas a respeito do tema “A ditadura da Estética”. Quase que de cara lavada, a foto feita para o ensaio da revista TPM, esbanja beleza. Tão natural que chega a revelar o que Patrícia Pillar tem, de muito mais bonito, por dentro. Interessante notar que ela levantou um punhal em nome de uma paixão, Waldick Soriano. Sim, ele mesmo. Simplesmente se encantou com algo que quase ninguém consegue enxergar, confesso que nem eu mesma, mas ela se entregou e dirigiu o documentário “Waldick, sempre no meu coração”, lançado este mês. Para quem conhece a obra do cantor, e, curte o estilo “Eu não sou cachorro não”..., bacana.
Aos 44 anos, a atriz que interpretou Zuzu Angel, no cinema, está cheia de vida e muitos projetos. Ela prefere realizar tudo que faz, da maneira mais passional possível.

sábado, 19 de abril de 2008

Cartola


Delicadeza é a palavra que encontro para falar de Cartola. Em 2008, se estivesse vivo, estaria completando 100 anos. Alvorada lá no morro / Verde que te quero rosa / O sol que a todos cobre / O mundo é um moinho / As rosas não falam, são canções marcantes e inesquecíveis que ouço sempre. Ele tinha um semblante tranqüilo, era simples em tudo que fazia. E foi assim que prosseguiu, pondo simplicidade e poesia em tudo, em sua vida e na música. Vida que era a sua música, música que sem cartola não era vida, não era poesia.
“Cartola escolheu o nome - Estação Primeira de Mangueira -, foi eleito diretor de harmonia e sugeriu as cores, verde e rosa. Se combinam? É ele quem diz: “O verde representa a esperança, o rosa representa o amor, como o amor pode não combinar com a esperança?”.

Livros:• Cartola, os Tempos Idos, Marília Barbosa da Silva e Arthur de Oliveira, Gryphus

Para você cantarolar baixinho.
Bate outra vez

Com esperanças o meu coração

Pois já vai terminando o verão, Enfim

Volto ao jardim

Com a certeza que devo chorar

Pois bem sei que não queres voltar

Para mim

Queixo-me às rosas,

Mas que bobagem

As rosas não falam

Simplesmente as rosas exalam

O perfume que roubam de ti, ai

Devias vir

Para ver os meus olhos tristonhos

E, quem sabe, sonhavas meus sonhos

Por fim

quarta-feira, 16 de abril de 2008


Definitivamente, não se trata de dicas ou soluções mágicas para se obter sucesso nas relações amorosas. O livro Amor líquido, do polonês Zigmunt Bauman, professor hemérito de sociologia nas Universidades de Varsóvia e de Leeds, na Inglaterra, trata de um assunto que muito tem me preocupado nos últimos dias, a fragilidade dos relacionamentos amorosos, o amor que o autor denominou tão sabiamente de “líquido”.
Por coincidência, li um “texto desabafo” de um amigo jornalista a respeito do assunto, sob o pondo de vista de como as relações se estabelecem com extraordinária fluidez e como o amor tornou-se um objeto de consumo descartável. Interessante ler os livros de Zigmund, seus temas são ricos e pautados em estudos sobre os laços afetivos e as sofridas tentativas das pessoas em estabelecer suas parcerias no mundo globalizado.

"Há uma tendência a perceber o mundo como basicamente um enorme recipiente dos potenciais objetos de consumo e de moldar todas as relações humanas conforme o padrão de consumo. Assim, o outro (parceiro, amigo, vizinho, parente) é 'bom' desde que traga satisfação e pode (ou deve) ser descartado quando a satisfação acabe ou se mostre não tão boa quanto se esperava ou quanto a que outra pessoa talvez pudesse fornecer em seu lugar. Outros seres humanos se tornam descartáveis e facilmente substituíveis - como os bens de consumo são ou deveriam ser. Afinal, não fazemos juramento de eterna fidelidade a celulares, televisores, computadores, carros, geladeiras e outros bens de consumo. Quando eles param de funcionar ou são superados por ofertas novas e mais atraentes, nos separamos deles com pouca tristeza e sem escrúpulos… Na verdade, tendemos a comemorar a substituição! Mas esse 'padrão consumista' é contrário aos princípios que conduzem nossos relacionamentos amorosos. Ele envenena a parceria com desconfiança mútua e a enche de constante incerteza quanto às intenções do parceiro. Amplia qualquer desavença mínima a uma proporção gigantesca, dando motivos suficientes para terminar e recomeçar em outro lugar. Assim como devolvemos uma mercadoria imperfeita à loja, exigindo nosso dinheiro de volta… Sob a pressão do consumismo, as relações amorosas se transformam em episódios amorosos: tornam-se frágeis, quebradiças, não-confiáveis - antes uma fonte de medo, ao invés de alegria."


Tácito Costa

terça-feira, 15 de abril de 2008


Por Edmir Perrotti Professor de pós-graduação na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo.

"Nunca falamos tanto, nunca produzimos tanta informação, nunca tivemos acesso a tantos e tão diferentes assuntos com a rapidez que temos hoje, e tudo isso em escala planetária. No entanto, talvez nunca, também, tenhamos vivido uma época tão esvaziada de sentidos quanto a atual, época em que temos a impressão de que se fala muito, mas que se diz pouco, época em que somos bombardeados por informações, mas que, talvez até por instinto de preservação, não prestamos atenção na maioria das coisas que nos são ditas e repetidas uma, duas, três, infinitas vezes. Ou seja, se quem fala não diz , quem ouve não escuta , a comunicação acaba virando um puro gesto mecânico de processamento de sinais e não de trocas efetivas de significados, tal qual na canção Sinal fechado , de Paulinho da Viola".

"Torna-se importante revisitar a Palavra, ressignificá-la nos quadros de nossa contemporaneidade. Não de qualquer forma, de qualquer maneira. É preciso revisitá-la com todas as pompas e circunstâncias indicadas por quem entende do assunto. Drummond é um deles. Aconselha espreitar as palavras, escutá-las, seduzi-las, saboreá-las, mesmo se às vezes o gosto é amargo e a tarefa nem sempre seja fácil. As palavras são opacas, não se entregam nem se iludem com as falsas promessas. Não aceitam ser passivas, usadas apenas para atos de compra e venda, de consumo, de mera negociação mercantil. Elas também nos espreitam, escutam, seduzem, saboreiam. Sob a “face neutra”, escondem, cuidadosamente, tesouros esplêndidos e inesperados, que não são entregues senão parcialmente. Elas são ativas, nos interrogam:

“Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma tem mil faces secretas sob a face

neutra e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível, que lhe deres:
Trouxeste a chave ?”
Carlos Drummond de Andrade - A rosa do povo.

domingo, 2 de março de 2008

Ciências do desejo - Ensaio Maria Rita Kehl

Por esses dias escrevi um pequeno artigo sobre a nítida e cruel contribuição dada pela propaganda à confusão de idéias, à devoção trágica ao que é fútil, à procura da estética perfeita do corpo, que permeiam milhares de mentes depressivas e angustiadas nesta era dita "pós-moderna".
Deixo para você uma parte do ensaio da psicanalista Maria Rita Kehl, que fala também desta questão. Fiquem com o sabor especial e as lições desta leitura. É só tomar fôlego!

Por Maria Rita Kehl:
Uma amiga de meu filho perdeu a vida em decorrência de uma lipoaspiração. Fiquei sabendo que o horrível acidente, uma embolia pós-operatória, não é pouco comum. Sensibilizada com a morte da menina e com a dor dos pais, passei a acompanhar com mais freqüência o noticiário a respeito dos desastres que ocorrem em cirurgias estéticas ou em outras formas radicais de intervenção no corpo. A beleza, no século XXI, tornou-se caso de vida ou morte. Não é necessário recorrer a casos extremos para pensar criticamente a relação entre o corpo, as tecnociências e o desejo. Reconheço que há muitos aspectos, no que se refere aos dois primeiros termos, que fazem dos que viveram e vivem entre os séculos XX e XXI gerações privilegiadas, sem precedentes na história da humanidade.
Foi graças à ciência que milhões de mulheres no mundo todo saíram do “estado de natureza” e passaram a viver sua vida sexual independente da maternidade. Graças à ciência conquistamos longevidade, saúde, qualidade de vida, liberdade sexual e também – por que não? – beleza. Tudo isso diz respeito à relação entre a ciência, a tecnologia e o corpo. Mas tais conquistas não incluem nenhum avanço na relação entre os sujeitos e o desejo. Dizem, das novas gerações devotadas às técnicas de cultivo da forma, que são escravas do corpo. Não é exato. São antes escravizadoras do corpo. Obcecadas por um ideal de perfeição que parece cada vez mais ao alcance dos mortais, as pessoas fazem seus corpos trabalhar feito escravos, submetidos aos mais esdrúxulos procedimentos de remodelamento da imagem. É possível que os corpos contemporâneos não sejam mais sacrificados do que os de nossos antepassados, que viviam enfatiotados dos pés à cabeça no frio ou no calor, as cinturas estranguladas em espartilhos, os pescoços torturados por colarinhos altos e engomados, pés apertados em sapatilhas minúsculas, postura rígida, gestos estreitamente vigiados. A diferença é que hoje os sacrifícios se dão em nome da liberdade: a servidão é 100% voluntária.
Depois de uma rápida passagem, nos anos 1960/70, pela ideologia dos corpos “ao natural”, despojados de artifícios – outro engodo, aliás –, voltamos, em plena era do avanço de todas as libertinagens, a impor a nossos corpos uma disciplina férrea. Em nome do quê – do decoro, como no tempo dos bisavôs? Dos códigos que regem as diferenças sociais? Da rígida diferenciação estética entre os sexos?Sabemos que não. Hoje nos torturamos, antes de tudo, em nome do – desejo. Escravizamos os corpos para tentar fazer deles o objeto incontestável e unânime do desejo. A confiança de nossa cultura na ciência chega a ponto de acreditarmos que a indústria médica e farmacêutica teria desvendado, afinal, o mistério que cerca o objeto do desejo humano. Ao acreditar piamente no poder da imagem, pensamos ter finalmente enquadrado o desejo (inconsciente) sob o domínio do ego: desejar e fazer-se desejar seriam, de acordo com a idolatria pós-moderna, uma questão de perícia técnica.
O que interessa a meu argumento é que a obsessão pela imagem perfeita nos aproxima mais da frigidez narcísica do que do desejo. O que parece libertinagem é uma espécie bastante refinada de moralismo: recusamos o corpo vivo, pulsional, imperfeito e mortal, em favor de um corpo/imagem, pura exterioridade oferecido à cobiça e à contemplação, muito mais morto (do ponto de vista libidinal) do que parece.O que parece a máxima consagração das prerrogativas do indivíduo mascara um medo terrível das diferenças, das singularidades, das marcas diferenciadoras de cada um. Toda cultura impõe suas formas estéticas, mas nenhuma desenvolveu como a nossa a possibilidade técnica de produzir em série essas formas, na carne de cada um. O problema com os corpos industrialmente fabricados não é que sejam exageradamente artificiais. O que é mais artificial do que as escaras e pinturas indígenas, por exemplo, ou do que o ouro que cobria as vestes dos faraós? O problema é que nos peitos siliconados, nas faces imobilizadas pelo rigor mortis do botox – faces sem marcas de expressão, mas, por isso mesmo, sem expressão –, a grife e a fatura do artifício deixam sua inscrição junto com o produto final. Tais corpos podem ser catalogados, mapeados como os mapas do corpo das vacas estampados nos açougues, indicando os diversos cortes do bife: os procedimentos médicos deixam suas etiquetas (com as cifras do preço) nas intervenções de uma beleza cada vez mais padronizada. As marcas da singularidade do sujeito tendem a zero. O jeito de olhar, a ruga no canto do sorriso, o franzir do nariz são detalhes singulares que Freud associou ao fetiche, cujo poder em mobilizar o desejo é proporcional à sutileza.

domingo, 24 de fevereiro de 2008

Eu, Etiqueta

Estava lendo a respeito desta nossa atual e complexa era das aparências, de vaidades e tolices, que tem a publicidade como porta voz do consumismo desmedido, compulsivo, da busca pelo prazer a todo custo, do imediatismo, dos excessos.
Da publicidade que contribui para formar essa cultura hedonista e individualista, que não admite sofrimento, que busca a perfeita estética corporal, que faz com que as pessoas tenham vergonha de sentir dor, vergonha de rejeitar o que é da natureza humana.
Penso sobre o modo de vida que faz com que andemos sempre com muita, mas muita pressa. O objetivo é ganhar tempo. O ideal é que tudo seja muito prático e o interessante é que tudo já venha prontinho, e, se puder fazer tudo ao mesmo tempo, comer enquanto dirige, enquanto fala ao celular, tudo isso para ganhar tempo. Tempo para que mesmo?
Para estar perto de quem se ama, para o convívio com os amigos, com a família, para ficar mais junto?
Um tempo em que é proibido envelhecer, que é proibido lidar com as limitações do próprio corpo. Um corpo que nada mais é do que algo em que se investe para o outro, para ser objeto de desejo.
Uma era que propõe uma vida que não é a nossa, mas uma vida que nos está sendo imposta, sem que tenhamos tempo para avaliar, para reinventar outras formas, outras maneiras que nos possibilite ser desacorrentado deste “mundo de excessos”.
A triste conclusão é que a maioria das pessoas vive um vazio de idéias e crenças, por isso tanta ansiedade, angústia e depressão.
O que pode nos salvar é o exercício da intelectualidade, do conhecimento. É manter os olhares sempre atentos para os princípios morais e éticos. É acima de tudo não deixar-se coisificar.


Eu, Etiqueta - Carlos Drummond de Andrade
Em minha calça está grudado um nome que não é meu de batismo ou de cartório, um nome... estranho. Meu blusão traz lembrete de bebida que jamais pus na boca, nesta vida. Em minha camiseta, a marca de cigarro que não fumo, até hoje não fumei. Minhas meias falam de produto que nunca experimentei mas são comunicados a meus pés. Meu tênis é proclama colorido de alguma coisa não provada por este provador de longa idade. Meu lenço, meu relógio, meu chaveiro, minha gravata e cinto e escova e pente, meu copo, minha xícara, minha toalha de banho e sabonete, meu isso, meu aquilo, desde a cabeça ao bico dos sapatos, são mensagens, letras falantes, gritos visuais, ordens de uso, abuso, reincidência, costume, hábito, premência, indispensabilidade, e fazem de mim homem-anúncio itinerante, escravo da matéria anunciada. Estou, estou na moda. É doce estar na moda, ainda que a moda seja negar minha identidade, trocá-la por mil, açambarcando todas as marcas registradas, todos os logotipos do mercado. Com que inocência demito-me de ser eu que antes era e me sabia tão diverso de outros, tão mim-mesmo, ser pensante, sentinte e solidário com outros seres diversos e conscientes de sua humana, invencível condição. Agora sou anúncio, ora vulgar ora bizarro, em língua nacional ou em qualquer língua (qualquer, principalmente). E nisto me comprazo, tiro glória de minha anulação. Não sou - vê lá - anúncio contratado. Eu é que mimosamente pago para anunciar, para venderem bares festas praias pérgulas piscinas, e bem à vista exibo esta etiqueta global no corpo que desiste de ser veste e sandália de uma essência tão viva, independente, que moda ou suborno algum a compromete. Onde terei jogado fora meu gosto e capacidade de escolher, minhas idiossincrasias tão pessoais, tão minhas que no rosto se espelhavam, e cada gesto, cada olhar, cada vinco da roupa resumia uma estética? Hoje sou costurado, sou tecido, sou gravado de forma universal, saio da estamparia, não de casa, da vitrina me tiram, recolocam, objeto pulsante mas objeto que se oferece como signo de outros objetos estáticos, tarifados. Por me ostentar assim, tão orgulhoso de ser não eu, mas artigo industrial, peço que meu nome retifiquem. Já não me convém o título de homem. Meu nome novo é coisa. Eu sou a coisa, coisamente.





sábado, 23 de fevereiro de 2008

"La jeune fille aux cheveux blancs"



"La jeune fille aux cheveux blancs", abre o CD "Le fil", da cantora francesa Camille.
De modo particularmente despretensioso me foi apresentado Camille. Entramos no carro, íamos ao Parque Tanguá – Curitiba, quando um som totalmente desconhecido e muito agradável entra em meus ouvidos. Acolhi-me àquele som meio estranho, muito forte e expressivo, cheio de significado que tentei em vão compreender, pois ainda não entendo francês. Tudo bem, isso não me atormentou nem um pouco. A única coisa que importava era simplesmente ter conhecido a musicalidade de Camille.
Ela já esteve no Brasil, acompanhada pelo grupo Nouvelle Vague, que faz versões em bossa nova para clássicos do punk rock.
Aos 26 e com uma sonoridade estranha ao universo pop, ela lançou dois trabalhos - "Le sac des filles" (2002) e "Le fil" (2005). Eloqüente, Camille afirma: “Uma música só pode existir como resultado de um sentimento verdadeiramente forte. Essa é a minha filosofia".
A quem garanta que ela relembra a personagem interpretada por Brigitte Bardot (em versão morena), na ilha de Capri, sob as lentes de Jean-Luc Godard.
Pra quem quer qualidade sonora, ouça a voz doce e cheia de personalidade de Camille!




sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

CURIOSIDADE


Não jogue fora!
Este é o título de uma matéria bastante curiosa, edição deste mês, da revista "Vida Simples". Está mais do que na hora de mudar hábitos em relação ao lixo que pode ser reciclado, as roupas que podem ser doadas ou customizadas, aos equipamentos eletrônicos que podem ser reutilizados. Reciclar, reparar, reorganizar, reaproveitar, reinventar.
Pense nisso.

Projeto italiano põe em circulação o que antes iria para o lixo
Elisa Correa
Nem tudo o que se joga fora é lixo: muitas coisas que descartamos por falta de uso ou de espaço ainda podem ser utilizadas. Pensando nisso, três estudantes de design em Veneza criaram o projeto Rifiuto con Affetto – “rejeitado com afeto”. Elas modificaram um contêiner de lixo comum colocando prateleiras internas e duas portas transparentes na parte da frente para deixar tudo à vista, como numa vitrine. Lá dentro são deixados objetos, roupas, sapatos que ficam à disposição de quem passa e ganham uma segunda chance ao serem escolhidos por alguém. Já houve quem encontrasse uma impressora em ótimo estado e quem levasse para casa um belo par de botas. Roberta Bruzzechesse, uma das criadoras do projeto, explica o objetivo: “Estimular uma reflexão individual sobre o desperdício, fazer com que as pessoas pensem se acumulam objetos por necessidade ou por imposição da indústria”. A prefeitura apoiou a idéia permitindo que os contêineres fossem colocados em alguns pontos de Veneza, e a população recebeu instruções de como usá-los. Agora espera-se que essas vitrines se espalhem por toda a cidade e, quem sabe, pela Itália. Enquanto a idéia não pinta por aqui, você pode refletir sobre o que anda jogando fora. Será mesmo que não pode interessar a alguém?