sexta-feira, 27 de junho de 2008


Por Telga Lima


Difícil amanhecer quando ainda há aquela crosta fria cobrindo o peito inerte e ainda ileso momentaneamente.
E do peito, catamos pelo chão, ao redor da cama, farpas de migalhas.
Pequenos pedaços, monstruosos enganos.
Ilusões decepadas como raízes cortadas antes do tempo de vingar,
de tomar cor, colorir-se.
Difícil grafar-se de paciência e aceitações, de nenhuma lucubração.
Amanheço eunuco, patético, títere e tento rapidamente recolher as tais migalhas.
Tento juntá-las, unir desesperadamente uma a uma, para ver se no fim, talvez
antes do anoitecer, eu me desenlaço de suas fantasmagorias. O que parecia tão real era forma indefinida, miragem medonha e apavorante.

terça-feira, 24 de junho de 2008

"A poesia é um modo de organizar a vida, gerar sentido, renovar a memória com a intensidade da percepção. É selecionar o que foi descartado. Ela desenvolve uma repescagem do cotidiano".

Fabrício Carpinejar

sábado, 21 de junho de 2008

BRAVO!


É assim que gostaria de me sentir agora, saindo do Teatro Faap, em São Paulo, meio atônita, arrebatada, absorta, elevada, após assistir Hamlet de shakespeare, ou melhor dizendo, de Aderbal Freire Filho, na verdade, o Hamlet de Wagner Moura, que segundo alguns comentários sobre a peça, tira o seu personagem da farsa, da própria representação dentro da representação.
Em entrevista concedida à revista Bravo, este mês, o ator diz do poder de transformação de Hamlet em sua vida e desabafa: "Você abandona muita coisa da sua vida pessoal, larga tudo pra fazer um pedaço de um sonho. Invariavelmente, vai sair machucado. É impossível passar por Hamlet ileso como ser humano; é despencar vertiginosamente, mexer com fantasmas muito profundos dentro de você. Faz você repensar a humanidade, sua vida, e esse é o grande barato."
A grana está curta e a vontade enorme, mas tem tempo. A peça fica em cartaz de junho a setembro no Teatro Faap, depois segue pra Curitiba, Bahia e Rio se Janeiro. É só escolher o lugar. Difícil, não?
O Teatro Faap fica na Rua Alagoas, 903 (11/3662-7233). Sexta e sábado às 20h. Domingo às 18h. Ingressos custam R$ 80

sexta-feira, 13 de junho de 2008


Por Telga Lima

É assim, meu caro.
Uma dissonância só.
Uma cacofonia
Uma claustrofobia
Um desamparo só.
E pensou que fosse assim, melodicamente perfeito?
Quem dera fosse!
É isso mesmo: cru, seco, cacofônico, sem pena!
Tudo em tamanho reduzido, fechado.
No final das contas, meu velho, é tudo assim mesmo, efêmero, que dura um só dia.
Diz-se da flor que fenece no próprio dia em que se abre.
De pouca duração, transitório, passageiro.
Flor no cabelo que murcha, perde o viço, caduca.
É assim, meu velho, espera! Tudo passa.

domingo, 8 de junho de 2008

Namoramor


Por Telga Lima


Amar é uma cantiga dessas do tempo.
É uma arte de ocasião e não pode haver frieza na expressão do rosto.
Oh! Alma de anjo! Sorria, derreta teus olhos, ou fecha-os.
Deixa estar, que eu hei de fazer tocar um dia.
Minha felicidade não pode ser maior, contento-me com pouco e curvo-me à lei que de coração aceito, viver sem frivolidades, sem festas e passatempos.
Por maior que seja o contraste entre nossas índoles, há um afeto verdadeiro que nos aproxima e o amor cresce de intensidade.
Eu comporei o meu instante e uma canção nova dessas do tempo, uma que me saia da alma, capaz de traduzir as expressões mais sublimes do espírito.
Por ora, deixa-me contemplar-te primeiro.

Aos namorados do Brasil

Carlos Drummond de Andrade
Dai-me, Senhor, assistência técnica para eu falar aos namorados do Brasil. Será que namorado algum escuta alguém? Adianta falar a namorados? E será que tenho coisas a dizer-lhes que eles não saibam, eles que transformam a sabedoria universal em divino esquecimento? Adianta-lhes, Senhor, saber alguma coisa, quando perdem os olhos para toda paisagem, perdem os ouvidos para toda melodia e só vêem, só escutam melodia e paisagem de sua própria fabricação? Cegos, surdos, mudos - felizes! - são os namorados enquanto namorados. Antes, depois são gente como a gente, no pedestre dia-a-dia. Mas quem foi namorado sabe que outra vez voltará à sublime invalidez que é signo de perfeição interior. Namorado é o ser fora do tempo, fora de obrigação e CPF, ISS, IFP, PASEP, INPS. Os códigos, desarmados, retrocedem de sua porta, as multas envergonham-se de alvejá-lo, as guerras, os tratados internacionais encolhem o rabo diante dele, em volta dele. O tempo, afiando sem pausa a sua foice, espera que o namorado desnamor e para sempre. Mas nascem todo dia namorados novos, renovados, inovantes, e ninguém ganha ou perde essa batalha. Pois namorar é destino dos humanos, destino que regula nossa dor, nossa doação, nosso inferno gozoso. E quem vive, atenção: cumpra sua obrigação de namorar, sob pena de viver apenas na aparência. De ser o seu cadáver itinerante. De não ser. De estar, e nem estar. O problema, Senhor, é como aprender, como exercer a arte de namorar, que audiovisual nenhum ensina, e vai além de toda universidade. Quem aprendeu não ensina. Quem ensina não sabe. E o namorado só aprende, sem sentir que aprendeu, por obra e graça de sua namorada. A mulher antes e depois da Bíblia é pois enciclopédia natural ciência infusa, inconciente, infensa a testes, fulgurante no simples manifestar-se, chegado o momento. Há que aprender com as mulheres as finezas finíssimas do namoro. O homem nasce ignorante, vive ignorante, às vezes morre três vezes ignorante de seu coração e da maneira de usá-lo. Só a mulher (como explicar?) entende certas coisas que não são para entender. São para aspirar como essência, ou nem assim. Elas aspiramo segredo do mundo. Há homens que se cansam depressa de namorar, outros que são infiéis à namorada. Pobre de quem não aprendeu direito, ai de quem nunca estará maduro para aprender, triste de quem não merecia, não merece namorar. Pois namorar não é só juntar duas atrações no velho estilo ou no moderno estilo, com arrepios, murmúrios, silêncios, caminhadas, jantares, gravações, fins-de-semana, o carro à toda ou a 80, lancha, piscina, dia-dos-namorados, foto colorida, filme adoidado,, rápido motel onde os espelhos não guardam beijo e alma de ninguém. Namorar é o sentido absoluto que se esconde no gesto muito simples, não intencional, nunca previsto, e dá ao gesto a cor do amanhecer, para ficar durando, perdurando, som de cristal na conchaou no infinito. Namorar é além do beijo e da sintaxe, não depende de estado ou condição. Ser duplicado, ser complexo, que em si mesmo se mira e se desdobra, o namorado, a namorada não são aquelas mesmas criaturas que cruzamos na rua. São outras, são estrelas remotíssimas, fora de qualquer sistema ou situação. A limitação terrestre, que os persegue, tenta cobrar (inveja) o terrível imposto de passagem: "Depressa! Corre! Vai acabar! Vai fenecer! Vai corromper-se tudo em flor esmigalhada na sola dos sapatos... "Ou senão: "Desiste! Foge! Esquece!" E os fracos esquecem. Os tímidos desistem. Fogem os covardes. Que importa? A cada hora nascem outros namorados para a novidade da antiga experiência. E inauguram cada manhã(namoramor) o velho, velho mundo renovado.

terça-feira, 3 de junho de 2008

Virei fã!

Por Rodrigo Levino
Ainda, cartas...

Não consigo me concentrar no caos. Tua calmaria prevalece no meu pensamento.
Dia desses nos cruzamos nalguma rua. Só eu percebi.
E vi você se afastando cada vez mais, no meio de tantos carros e rostos diferetes.
Segui até onde os olhos puderam alcançar.
Cara, eu fico espalhando lembretes pela casa, para te mostrar uns versos que
achei interessante, uma música que é a sua cara.
Cerco-me de você tentando, iludir à distância.
Mas acabo como sempre. Depois de horas
vagando pelas ruas à meia-luz, só me resta mais uma
crônica.
Talvez eu te ligue num fim de tarde desses qualquer. Pra
desejar um resto de dia feliz. Bom, pelo menos você tem
a garantia de que coisas estranhas assim só podem ser
do meu feitio. Não deixa de ser também uma forma de
você absorver afeição. Afeição é bom.
Eu sei que nossos mundos são completamente diferentes.
Eu aqui interessadíssimo em bandas novas
do interior da Escócia e fi lmes de diretores “lado B”,
enquanto você se desdobra numa vida mais real. Isso
sempre conta muito. Mas é isso. “Borboletas são flores
que aprenderam a voar”. Eu ainda não sei dançar tão
devagar, pra te acompanhar.