segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Texto lindo de Miriam Leitão sobre o pai Uriel Leitão.

Virgínia, minha amiga, não sei o motivo pelo qual lembrei de você. Mas, acho que sei sim.
Lembrei das estórias que você me contava da sua mãe, naquelas longas tardes de conversa, enquando você tecia as suas bijoux. Lembrei-me da sua educação, da sua eloquência, do seu vocabulário polido.
Você está bem no fundo do meu coração amiga. Te amo.


Uriel Leitão, meu pai, tinha o talento da paternidade

Eu estava na fila da manhã de autógrafos em Belo Horizonte, quando um homem alto se aproximou da mesa e começou a chorar.
-Eu vim aqui pelo seu pai.
Meu pai morreu há 13 anos. Aquela frase e o choro prenderam a minha atenção.
-Seu pai foi um pai para mim. Eu era um menino muito, muito travesso. Meu pai me criava de um jeito, seu pai decidiu me criar de outro. Ele dedicou o tempo dele a mim. Três vezes por semana eu ia ao escritório dele para converssar.  Eu estudava em outro colégio, era de outra religião. Seu pai me aconselhava. Ele não tentava me convencer de nada, apenas me aconselhava. O que eu sou hoje, devo a ele - disse o homem, chorando.
Meu pai era pastor presbiteriano e diretor de colégio no interior de Minas. Ajudou inúmeros adolescentes confusos com seus conselhos e sabedoria. Um dia apareceu um jovem lá em casa, pedindo para falar com meu pai. Bonito, carioca, com o rosto triste. Meu pai teve uma longa conversa com ele a portas fechadas, não nos disse que aparecimento era aquele e o abrigou por um ano. Era um rapaz fugindo de confusões - crime nenhum - que tinha aprontado no Rio. Precisava só de proteção. Quando revelou a nós quem era, um ano depois, nos assustamos com a pomposidade do sobrenome. Era da elite do Rio.
Meu pai costumava ir para a zona rural conquistar jovens analfabetos para os estudos e distribuia bolsas, incentivos, conselhos e vaga no internato do colégio. Abrigou lá em casa e tratou como filha uma menina super inteligente, mas que o pai empobrecera de repente e não podia pagar a escola. Ela saiu de lá casada.
Meu pai, Uriel, teve doze filhos. Esses cuidados com os filhos de outros pais não fizeram com que ele nos faltasse. Foi pai presente, atencioso. Tinha uma outra característica que o diferenciava dos pais da época: incentivava as filhas na busca de uma profissão, estimulava nossa ambição para além do mundo estreito no qual via amigas minhas sendo criadas. Me incentivou com livros, jornais, notícias. Em cada uma de nós, ele percebia o talento. A última pergunta que fez à minha irmã mais nova, Simone, um pouco antes de ir para a UTI onde morreu foi:
-Como vai seu piano minha filha?
Ela está em turnê pelo Brasil. Toca quarta-feira no Rio, no Espaço Tom Jobim, às 21horas. Está lançando um CD. O piano de Simone está cada vez mais lindo. Nosso pai ficaria feliz. Como ficaria feliz de ler o meu livro.
Uriel Leitão, pernambucano, nascido muito pobre,  foi um grande pai. Moderno, à frente do seu tempo. Numa época em que os pais eram inatingíveis, provedores apenas, deixando os carinhos mais entregues às mães, ele foi um pai do tipo que existe atualmente.
O homem contava suas lembranças, ainda chorando. O amigo dele me falou baixinho:
-Ele é uma pessoa muito bem sucedida. Sou médico e amigo dele, ele sempre fala do seu pai como um verdadeiro pai para ele.
O homem me entregou o livro para eu autografar e pediu para tirarmos uma foto.
-Sinto que você é também minha irmã.
Hoje a saudade aumentou. Me lembro de cada cuidado, carinho e conselho. De como nunca me deixou duvidar da minha capacidade,  mesmo nos maus momentos. Do abraço que ele me deu no dia que eu saí da prisão. De como me ensinou a viver até o dia de sua morte.Do amor que deu aos meus filhos. Um bom pai firma o chão no qual o filho e a filha andam por toda a vida.
Enquanto o homem narrava suas lembranças entendi mais uma vez toda a dimensão da minha sorte de ser filha de Uriel e Mariana. Que pais eu tive!.

Um comentário:

Anônimo disse...

Minha querida e sempre amiga, sendo eu, conhecedora do seu apurado gosto literário e leitora dos seus textos, na maioria das vezes, escritos no âmago da emoção - daí a intensidade deles - só tenho a dizer que muito me envaidece o que escreveu a meu respeito.
Um beijo no seu coração

Virgínia